Estrelas de cinema (15)
O INFERNO NO PARAÍSO
***
Fixem este nome: Tom Holland. Ou muito me engano ou ainda ouvirão falar dele no futuro. Porque, se há pormenor que apetece desde logo destacar em O Impossível, é precisamente o desempenho deste adolescente de olhar desamparado errando no horizonte em busca da mãe que supõe jamais voltar a ver após um idílico local de férias na ilha tailandesa de Phuket ter ficado reduzido a escombros pelas águas assombradas do Dilúvio. Adolescente capaz de fazer das fraquezas força para enfrentar uma tragédia de proporções bíblicas, animado pelo instinto de sobrevivência e pelo amor filial em desafio desproporcionado à implacável força dos elementos.
A isto alude este filme de produção espanhola dirigido com mão competente pelo jovem realizador catalão Juan Antonio Bayona (que em 2007 já tinha rodado o aplaudido El Orfanato). Uma longa-metragem que arrisca a incursão num género desde sempre reservado às megaproduções de Hollywood: o cinema-catástrofe. O espectador é advertido desde o início que está perante uma obra inspirada em factos reais, tendo apenas sido alterada a nacionalidade da família - de espanhola para britânica - por motivos comerciais, o que permitiu a contratação de dois nomes consagrados como chamariz para a bilheteira: Naomi Watts e Ewan McGregor. Sobre o desempenho dele não vale a pena gastar linhas de texto, mas ela é um prodígio de contenção num papel que se prestaria a todos os exageros histriónicos: não lhe fizeram favor nenhum ao nomeá-la para o Óscar de melhor actriz que aliás já merecera ter ganho noutros filmes.
O Impossível acontece para nos demonstrar que o homem, suposto dominador da natureza, mais não é afinal do que um minúsculo grão de poeira cósmica na intangível imensidão do universo. É disso que nos fala uma cena crucial do filme, quando uma senhora de 75 anos aponta o céu estrelado a um rapaz de sete, sedento de sabedoria, e lhe ensina a mais elementar das lições: as aparências iludem. Muitas estrelas que vemos refulgir no céu estão já mortas há uma eternidade e só o nosso débil olhar humano, incapaz de discernir o essencial do acessório, não se apercebe disso.
Aquela mulher que surge como um fugaz cometa no filme é Geraldine Chaplin, herdeira directa de um dos gigantes de sempre da Sétima Arte e ela própria protagonista de vários títulos que povoam a nossa memória cinéfila - Doutor Jivago (1965), de David Lean, por exemplo. De constelações percebe ela, sendo quem é e filha de quem é.
Procurem ver este filme com a visão limpa dos miúdos que contemplam fixamente as estrelas. Evitem saber em que condições foi rodado, passem ao lado das minudências técnicas e de todo esse estendal "informativo" que as distribuidoras cinematográficas propiciam em incontáveis acções de marketing, roubando aos espectadores aquilo que há de mais precioso: a inocência do olhar. Se o conseguirem, verão este filme como eu vi - uma espécie de tributo à memória dos pioneiros como Méliès que transformaram o cinema num processo ímpar de acreditarmos no inacreditável. Não me interessa saber como aquele maremoto foi conseguido para se tornar credível no ecrã: basta-me saber que funciona.
Mas este artifício serve apenas para nos reconduzir a uma evidência primordial: na eterna batalha entre o homem e a natureza, só por inimaginável clemência desta não sairemos derrotados. Depois desse trágico tsunami de 26 de Dezembro de 2004 que ceifou mais de 230 mil vidas no Sudeste Asiático - e que este filme revive de forma tecnicamente irrepreensível - nenhum de nós voltou a olhar para uma praia paradisíaca sem pensar que a todo o momento pode desembocar ali uma onda gigantesca pronta a derrubar qualquer obstáculo e a varrer todas as certezas na sua fúria cega, dantesca, irracional.
O Impossível (Lo Imposible, 2012). De Juan Antonio Bayona. Com Naomi Watts, Ewan McGregor, Tom Holland, Soenke Möhring, Samuel Joslin, Oaklee Pendergast, Geraldine Chaplin.