Diálogos inesquecíveis
Há muito que não se registava um reencontro tão evidente entre o gosto maioritário dos telespectadores portugueses e uma produção de qualidade em sinal aberto, como agora sucedeu com Gabriela, produção brasileira da Globo retransmitida na SIC. Prova evidente de que não é necessário nenhum "acordo" pseudo-unificador para aproximar as diversas parcelas do mundo lusófono nem há que inventar qualquer varinha de condão em alternativa aos reality shows mais rasteiros para atrair público em televisão: basta investir na qualidade comprovada. Com um romance que foi êxito de vendas e de crítica a servir de base, um elenco meticulosamente escolhido, uma produção competente, uma irrepreensível direcção de actores. E, claro, um guião concebido por verdadeiros profissionais, que soube recuperar e valorizar os saborosíssimos diálogos saídos da pena de Jorge Amado que só confirmam o colorido, a riqueza vocabular e a grande plasticidade do nosso idioma.
Deixo aqui dois exemplos, que todos os que acompanharam Gabriela certamente lembrarão: vale a pena recordá-los, agora por escrito.
I
«Eu gosto de procriar é muito, seu padre»
Dona Olga, a fogosa mulher de Tonico Bastos, é ouvida em confissão pelo paciente Padre Cecílio:
- Seu padre, me perdoe, eu pequei.
- O que tanto a atormenta, Dona Olga?
- Seu padre, eu cumpro a penitência que o senhor quiser, mas não me faça contar...
- Eu não fico aqui distribuindo penitência, Dona Olga. Eu tenho por obrigação fazer os fiéis trilharem o bom caminho... Que pecado tão nefando a senhora cometeu?
- Eu tenho vontade... Ai!
- Coragem, minha filha, aos olhos de Deus todo pecado tem perdão.
- ... Eu tenho vontade de morder a bunda de meu marido.
- Deus me livre!
- Eu resisto é muito! Mas uma bunda tão redondinha, seu padre...
- Olhe a compostura, por Deus!! O acto conjugal não pode ser libidinoso! A Igreja determina que o marido deite mais a esposa apenas para procriação.
- Eu sei. Eu gosto de procriar é muito, seu padre. Não tenho mais filhos é porque Deus não mos enviou... e talvez porque eu dei uma lavadinha.
- Lavadinha, Dona Olga?! Que lavadinha?
- É, é. Água e sabão... nas partes. Sempre que Tonico me usa... Senhor padre, a Igreja proíbe a lavadinha?
- Preciso consultar o bispo. Quanto a esse desejo de morder a... o traseiro de seu marido, é proibidíssimo. Reze três terços na intenção de sua alma.
- Três terços só por desejar?! Não podem ser dois?
- Desejar não é pouco. Mas a senhora se arrependeu... Bem, vá lá: dois terços pelo desejo.
- Então ficamos assim. Dois terços só por desejar e quatro terços se morder.
II
«Além de minha macheza natural, tomo uma gemada»
O professor Josué anda envolvido com Glorinha, a fogosa "teúda e manteúda" do coronel Coriolano - novidade que este ainda desconhece. Conversam ambos à mesa do bar Vesúvio.
O primeiro a falar é o coronel, muito mais velho do que o seu interlocutor:
- Que é que o senhor tem para me dizer que é tão importante?
- Eu admiro a sua disposição. Assim, nessa idade, o senhor dá conta de Glória que, com todo o respeito, é um peixão.
- Sem dúvida. Eu só dou conta por causa de minha macheza!
- Coronel, eu quero saber o teu segredo.
- Segredo?
- P'ra ser tão macho. O senhor toma alguma coisa? O senhor sabe... tenho chamego com uma mulher comprometida...
- É gulosa?
- Gulosa de mais.
- Deve ser igual a Glorinha. Glorinha é muito gulosa...
- Sem dúvida.
- Quê?!
- Eu imagino. Porque uma mulher assim, na flor da idade, há-de ser gulosa... Coronel, o senhor toma algum preparado?
- Só porque eu lhe tenho simpatia, eu vou lhe contar o meu segredo: além de minha macheza natural, eu costumo tomar todas as noites uma gemada bem forte com ovo, açúcar, canela e um dedão assim de conhaque... O senhor toma isso, o senhor vai ver: sua coisa aí vai subir que nem um rojão!