A celebração da coisa
De todos os costumes religiosos que mantive durante aqueles anos entre o fim da infância e meados da adolescência, ir à Missa do Galo na noite de Natal foi aquele que mais tempo durou. Viver atrás da igreja facilitava a coisa, claro - não era preciso apanhar muito frio para lá chegar. Saía de casa e em menos de um minuto estava na igreja, sempre muito bem decorada com um presépio lindíssimo que o padre fazia questão de montar todos os anos (com musgo verdadeiro, várias dezenas de figuras e uma iluminação que causava sempre espanto na aldeia). A coisa durava meia hora e voltava para casa, para provar os sonhos e trocar as prendas. O almoço de Natal, esse, era quase sempre em casa da minha avó, e a senhora nunca foi muito à bola, passe a expressão, com a modernice do Pai Natal. A prenda que ela dava era pelo "menino Jesus", e não havia discussão nessas coisas.
Ler agora que na moderna Suécia os professores têm indicações para não mencionarem o nome de Jesus Cristo nas celebrações de Natal causa-me assim alguma estranheza. Apesar de hoje em dia não praticar qualquer religião ou manter quaisquer hábitos relacionados com religião, sempre entendi o Natal como uma celebração religiosa, e Cristo como o seu verdadeiro símbolo - não o velho gordo de barbas que, de resto, nunca me convenceu (talvez por a minha casa não ter chaminé, talvez porque a ideia de um velho gordo a correr mundo para dar prendas às crianças com base nas suas boas acções sempre me pareceu inverosímil). É o politicamente correcto moderno em todo o seu esplendor hipócrita: como a celebração dá jeito mas o símbolo tornou-se inconveniente (para alguns), celebra-se a coisa e omite-se o símbolo. É a celebração da coisa, de uma coisa qualquer que podia ser o Natal mas não é. Talvez volte este ano à Missa do Galo: já vivo mais longe da igreja, o padre é outro e o presépio não deve ter musgo, mas numa época em que tudo é tão relativo e em que o mundo é tão picuinhas talvez valha a pena recordar o verdadeiro significado dos nossos símbolos mais importantes.