Pastoral paternal
O que terá levado a rapariga gaga a pôr uma bomba que matou uma pessoa no posto dos correios? A angústia atormenta o pai, cidadão sem mácula, filho de imigrantes, fruto perfeito do american dream. Angustia-me a mim, a tentar ler a Pastoral Americana numa praia deserta, se não contar com aquela família tão barulhenta. O pai revê momentos da infância da filha, os esforços, os efeitos, e tenta encontrar a culpa que terá tido no desfecho brutal da vida da criança, criada para ser perfeita. Mas os gritos da família na praia sobem de tom e desisto do Philip Roth para os observar. Um pai joga à bola com dois filhos pequenos. Pai pesado, sedentário, num esforço gigantesco de corrida pelo areal em simultâneo com um relato histriónico dos passes e dos remates. Pai finge sempre que falha, filhos pequenos estão convencidos de que ganham, nem respiram de felicidade. Pai cai muitas vezes na areia, com a barriga dilatada a arfar, sem nunca deixar de gritar as vitórias dos filhos. Amanhã vai pagar caro este esforço desumano. Sei o que o vai consolar: a ideia do "tempo de qualidade", lido nas crónicas de pedopsicólogos bem intencionados. Serão os filhos cidadãos perfeitos, pela esforço deste amor? Serão os filhos imperfeitos porque os revolta tão parco intervalo de felicidade numa rotina quase sem pai? A dúvida podia não ser relevante, podíamos ficar pelo quadro do pai que joga à bola com os filhos pequenos, não fosse a nota de desespero na estridência da sua voz.