Portugal, 2015
Chegámos ao debate sobre o Estado Social sem que previamente se tenha discutido de forma séria a necessidade de expurgar a administração central e local do desperdício, das redes clientelares e das correspondentes ineficiências. Os partidos do arco da governação (ou do arco do memorando) paralisam a discussão apontando a evidência de que as grandes rubricas da despesa são os custos com pessoal e as prestações sociais. Ora, se isto é verdade, tal não implica que não exista uma precedência natural (e ética) que impõe que postos de trabalho e dimensão social só possam ser atingidos depois, e nunca antes, de ser racionalizada (que não racionada) a máquina do Estado. Os restantes partidos da esquerda, ou do arco da velha, apresentam um condicionamento que os impede de discutir em bases sérias qualquer aspecto relacionado com a dimensão e as funções do Estado: tudo no Estado é bom, incluindo o que é mau. À direita, a ala liberal padece de atavismo inverso: tudo é mau no Estado, incluindo o que é bom. O resultado de tudo isto é um bloqueio no debate que não impede o curso inexorável dos acontecimentos. Endividado e dependente de uma economia incapaz de contrariar a hemorragia, o Estado português embaterá na realidade e ver-se-á obrigado a reduzir drasticamente a despesa. Os interesses instalados e o viés ideológico à esquerda e à direita terão impedido, por essa altura, qualquer reestruturação racional que liberte o país das clientelas incrustadas na máquina do Estado (vejam-se, a título de meros exemplos, a resistência consentida por Relvas a qualquer reorganização ao nível dos municípios ou a permanência dos lobbies universitários que acabam de impor a sua vontade em prejuízo do financiamento do ensino básico e secundário). Isto é, os portugueses passarão de uma situação em que beneficiavam de uma protecção social que aspirava a ser de tipo escandinavo (passe o exagero) suportada por uma economia periclitante, para uma outra em que uma contribuição fiscal de nível escandinavo (sem exagero) terá como contrapartida uma protecção social miserável. Teremos então o pior de dois mundos. Um Estado ineficaz e capturado por interesses que é incapaz de oferecer qualquer contrapartida. Um Estado ávido de impostos que servirão para pagar boys, rotundas, iluminações de Natal e rendas de empresas de regime, mas já não pensões, subsídios de desemprego ou a instrução dos nossos filhos. Um Estado incapaz, sequer, de cumprir razoavelmente qualquer das suas outras funções essenciais. Portugal, em 2015, não será apenas um Estado falido. Ter-se-á tornado, entretanto, um Estado imoral.