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Delito de Opinião

O público, o privado e a notícia

J.M. Coutinho Ribeiro, 08.05.09

Interessante a divergência que aqui se nota sobre a importância pública dos comportamentos privados de quem nos governa e a possibilidade desses comportamentos privados serem ou não escrutinados pela comunicação social.

Há quem entenda que a esfera da vida privada dos governantes não tem qualquer interesse para o cidadão. Pelo menos, um interesse legítimo. Que não importa, designadamente, se um governante é viciado em casinos, desde que jogue com dinheiro seu; que não importa saber se um governante compra roupa na loja mais cara do mundo, desde que o faça com dinheiro seu. E, obviamente, há quem entenda ser sagrada, por exemplo, a não violação da privacidade de um governante quanto, por exemplo, à sua orientação sexual.

A questão não pode ser vista de forma tão linear. Mesmo que o governante gaste apenas o que é seu, nos seus vícios ou hábitos privados, ficamos a saber duas coisas: em primeiro lugar, que o governante é honesto porque não gasta os dinheiros públicos. Mas ficamos, também, a saber que o governante tem uma compulsão para o jogo ou para um ostensivo modo de vida. Ou que, enquanto pede contenção aos seus governados, ele vive na ostentação. Não é relevante? É. Não o será quando se fala do rico empresário (que será escrutinado pelos seus trabalhadores ou pelos seus credores, mas isso é outra história), mas é-o quando se fala de quem elegemos para determinado cargo. Porque quando votamos em alguém, votamos não apenas na sua competência, mas também no que conhecemos do seu carácter, na sua capacidade para se adaptar aos sinais dos tempos que correm e na sua capacidade para dar exemplos de cidadania. Daí que os limites da liberdade de expressão se alarguem quando escrevemos sobre as designadas as figuras «da história do tempo».

Mais complexa é a questão da orientação sexual do governante. Se um governante é homossexual, ninguém tem nada a ver com isso. Se o é e o assume, não dever ser fustigado ou vangloriado por isso. É-o. E, sobre isso, cada qual tirará as suas conclusões na hora do voto, se achar que é uma questão relevante.

Mas já será escrutinável pela comunicação social - porque tem interesse público - saber se, por exemplo, um deputado faz hoje uma violenta intervenção no Parlamento contra a homossexualidade e, dias depois, se descobre que ele próprio é homossexual. Como é evidente, ele poder ser o que queira. Mas os eleitores têm o direito de saber se um dos seus eleitos é pessoa de carácter e se as suas intervenções públicas são concordantes com os seus comportamentos privados.

E, neste caso, ouso ir um pouco mais longe: se as acrobacias sexuais de uma figura pública - mas sem responsabiilidades públicas, mesmo que seja, por exemplo, um arquitecto do regime - não são escrutináveis, o mesmo não se aplica, por exemplo, ao padre de uma qualquer paróquia, que nas missas defende a moralidade e os bons costumes e acaba descoberto numa orgia. Neste caso, os paroquianos que o ouvem, também terão direito a saber que o homem faz o contrário do que prega.

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