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Delito de Opinião

A sociedade consumista e desumanizada que nunca fomos

Rui Rocha, 09.11.12

Julgava eu que vivíamos numa sociedade capitalista. E que uma das características das sociedades capitalistas era o consumo desenfreado concretizado na compra indiscriminada induzida pelo marketing, pela propaganda e pela publicidade, formas estas de manipulação de massas indefesas. E que só esse consumismo exacerbado permitiria ao capitalismo retroalimentar-se, sempre numa busca incessante e voraz de novas vítimas do modelo de exploração. A inovação, a vertigem tecnológica, o lançamento de novas séries, o re-styling, os ciclos cada vez mais curtos de obsolescência,  tudo isto teria, supunha eu, uma lógica capitalista subjacente. Com a consequente maximização do lucro das empresas à custa de todos quantos, seduzidos pelo bombardeamento de apelos à compra do desnecessário, do supérfluo, do redundante, acabariam por funcionar como uma enorme e proletarizada população de ratinhos que teria como única missão impulsionar com as respectivas patinhas a giganteca roda da exploração. Mais, estava convencido de que tudo isto teria um nexo de causalidade com o aquecimento global, a escassez de recursos não renováveis, a poluição, a acumulação de lixos oceânicos e todo um vasto conjunto de ameaças e desastres naturais. E que, no final da estrada deste capitalismo sem freio estaria a proletarização e o empobrecimento dos iludidos, subjugados à força pelo consumismo e pelo engodo do crédito fácil concedido por banqueiros ávidos, e o esgotamento dos recursos. Pobre de mim, pensava que consumir acima das possibilidades individuais e colectivas eram a  essência mesma e a sustentação do modo de ser capitalista, ainda que fossem também a semente da sua própria destruição, uma e outra vez anunciada. E que a crítica ao modelo era um património reclamado por uma certa esquerda. Depois, ouvi Isabel Jonet dizer umas tontices sobre consumismo exacerbado e a necessidade de fechar a torneira quando se lava os dentes que, se virmos bem, reproduzem esse diagnóstico dos vícios e desvios do sistema capitalista. E vi gente que se proclama de esquerda a esquartejá-la sem piedade, atirando-se-lhe aos bofes como ela se atirou aos bifes. Concluo, portanto, que Portugal é uma ilha. Que num mundo que consome como se não houvesse amanhã, fomos capazes de nos manter puros e contidos, frugais e amigos do ambiente, apesar da cupidez dos banqueiros e da codícia dos grandes grupos empresariais. E que todos aqueles que passaram anos a criticar uma sociedade consumista e desumanizada estavam afinal enganados. Tudo está bem quando acaba bem.

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