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Delito de Opinião

Pão por um deus desconhecido

Leonor Barros, 01.11.12

Nove e vinte e cinco. Os cães ladram inquietos. Eles vêm aí. Sei que são eles. Espreito pela janela do quarto e vejo-os. Desço as escadas a tempo de lhes abrir a porta. Dizem ao que vêm sorridentes para soltar um lamento de seguida ‘Está tudo na missa. Ninguém nos abre a porta’. E o outro ‘e ele tem de se ir embora às dez’. Sempre achei que a religião é como o amor ainda em que numa proporção diferente, em demasia matar-nos-á e agradeço aos meus deuses por me terem arredado de sacristias e outros lugares estranhos de santos em esgares e sofrimentos, não nos bastasse já a vida. As crianças terão doces. Abrem-me os sacos de pano e para lá vou despejando com a supervisão dos dois a mesma, a mesmíssima quantidade de guloseimas: chupas, rebuçados, moedas de chocolate. Foram as primeiras das últimas crianças que vieram a minha casa pedir Pão-por-Deus. Acabou este ano com uma garota sorridente de sobrancelhas ralas que me inquiriu à saída ‘Posso fazer uma pergunta?’ Claro!’ ‘Esta árvore que tem aqui chama-se como?’ ‘Azevinho.’ ‘É isso’ diz-me. E a conversa corre solta sobre o azevinho e as bolinhas vermelhas numa manhã de sol brilhante indiferente ao país que anoitece. Quando voltei para dentro e a minha porta fechou-se pela derradeira vez. Dentro dela anoiteci. Estranho país o que mata as tradições. Estranho país o que nos matará a todos.

 

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