Estrelas de cinema (13)
FUCK YOU, MR. BOND
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Vou directo ao assunto: detestei este filme do James Bond. Já tinha achado péssimo o anterior - uma espécie de Indiana Jones de série Z, sem nada que o distinguisse de um rasteiro filme de "acção" - mas este supera-o pela negativa, algo ainda mais de lamentar pois o realizador é um nome de prestígio, aliás já galardoado com o Óscar: Sam Mendes.
Bond sempre foi uma figura próxima do universo dos comics transposta para o cinema. Ou seja, algo que não deveríamos levar a sério. Mas no início havia ironia nas situações em que se encontrava o agente 007 e ele superava todos os embaraços muito mais pela astúcia do que pela força. Com Daniel Craig, passou a beber cervejola em vez de champanhe e martinis. Deixou de integrar a aristocracia da espionagem e transformou-se numa mera máquina de matar.
Adeus astúcia, olá força bruta. Quem aprecia arraiais de porrada para acompanhar baldes de pipocas e confunde o cinema com isto, deve gostar das descargas de "adrenalina" proporcionadas por tantos cadáveres trepassados a tiro, por tanto osso partido, por tanta labareda, tanta bomba, tanta pirotecnica visual.
Alguns de nós, os que crescemos a ver filmes do 007 e mantivemos através dos anos uma ligação afectiva a este imaginário por constituir um elo insuperável à nossa adolescência cinéfila, consideramos quase um sacrilégio ver o agente ao serviço de Sua Majestade convertido num clone de Steven Seagal ou do Van Damme. Sucede até o impensável neste Skyfall: Bond parece sempre mais interessado em jogar à pancada com homens do que em seduzir mulheres (as Bond girls estão aqui reduzidas à quota mínima). Ian Fleming, o criador do célebre agente secreto, deve ter dado saltos na tumba perante tamanha heresia.
E tudo isto, no fundo, serve para quê? Serve de veículo de propaganda da China.
Bond inicia as suas corridas alucinantes numa Istambul decrépita e termina-as numa Escócia que parece congelada no tempo - de passagem por Londres, mais cinzenta que nunca, sem sombra de glamour. Só Xangai brilha por contraste. Os breves minutos de imagens da capital económica chinesa com os seus arranha-céus ultramodernos exibidos neste filme como bilhetes postais funcionam como cartaz propagandístico ao nível planetário.
Mensagem subliminar: o sistema chinês funciona. Mesmo com capitalismo selvagem - ou por causa disso mesmo. Mesmo sem democracia nem direitos humanos - ou por causa disso mesmo. O Partido Comunista está no poder desde 1949 (há sessenta e três anos!) e nem é preciso mais nenhum, pois ele garante a aplicação do capitalismo melhor do que qualquer outro. Ali ninguém fala em "reformas estruturais" nem em "concertação social" nem em "estado-providência", de resto inexistente. O novo nome do "estado social", pelo menos na versão chinesa, é "crescimento económico" - e ei-lo ali, à vista de centenas de milhares de espectadores, naqueles postais nocturnos de Xangai a pretexto de uma longa-metragem com vasta audiência garantida.
Noutros tempos as películas de Bond costumavam publicitar carros ou relógios. Agora publicitam um sistema execrável. Vão de mal a pior.
Nota suplementar: Macau também figura neste Skyfall. É uma das cidades mais "cinematográficas" do mundo: posso garantir-vos pois vivi lá dez anos. Não admira, por isso, que já tenha sido alvo das atenções de tantos cineastas - incluindo Josef von Sternberg, Henry King e Orson Welles. Mas neste filme Macau resume-se a um imenso casino pós-moderno, com putas, assassinos a soldo e dragões-de-Komodo criados como rottweilers. E o vilão é um suposto português residente no Oriente que o espanhol Javier Bardem encarna numa boçal caricatura.
Motivos acrescidos para eu ter detestado este filme. Fuck you, Mr. Bond.
Skyfall. (2012). De Sam Mendes. Com Daniel Craig, Javier Bardem, Ralph Fiennes, Naomie Harris, Bérénice Marlohe, Albert Finney, Judi Dench