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Delito de Opinião

Com a ZON, na saúde e na doença

Rui Rocha, 09.10.12

Acto I (algures num balcão da ZON)

 

- Bom dia.

- Bom dia. Em que posso ajudar?

- A minha mãe é vossa cliente. Por motivo de doença teve de mudar de residência e agora pretendemos cancelar o vosso serviço.

- Pois, mas isso aqui ao balcão, só com a presença do próprio.

- Pois, mas isso é completamente impossível devido à doença.

(silêncio longo e olhar inquisitivo)

- Bem, atendendo à situação, vamos abrir uma excepção.

- Ah, muito obrigado (faço, ao mesmo tempo, uma pronunciada vénia de agradecimento).

- Traga, por favor, uma declaração da mãe a dizer que o autoriza a tratar da cessação do serviço. Traga os seus documentos pessoais e os da mãe.

- Ah, muito obrigado (faço, ao mesmo tempo, uma pronunciada vénia de agradecimento).

 

Acto II (uns dias depois, no mesmo balcão da ZON)


- Bom dia.

- Bom dia. Em que posso ajudar?

- A minha mãe é vossa cliente. Por motivo de doença teve de mudar de residência e agora pretendemos cancelar o vosso serviço. Trago aqui uma declaração assinada por ela a autorizar-me a tratar do assunto.

- Pois, mas essa declaração não serve.

- Não serve? Mas foi uma sua colega aqui da loja que me disse para proceder desta forma...

- Pois, mas cancelamento aqui ao balcão, só com a presença do próprio.

- Pois, mas isso é completamente impossível devido à doença.

(silêncio longo e olhar inquisitivo)

- De qualquer maneira, essa declaração não serve.

- Então...

- Bem, atendendo à situação, vamos abrir uma excepção.

- Ah, muito obrigado (faço, ao mesmo tempo, uma pronunciada vénia de agradecimento).

- Mas essa declaração não serve. Vou imprimir-lhe uma declaração para trazer assinada pela mãe.

- Ah, muito obrigado (faço, ao mesmo tempo, uma pronunciada vénia de agradecimento).

 

Acto III (contacto telefónico uns dias depois da entrega com sucesso da declaração)

 

- Sim?

- Boa tarde, estou a contactar da ZON na sequência do pedido de desactivação do serviço apresentada pela Senhora Y.

- Ah, muito bem. É a minha mãe.

- E poderia falar com ela?

- Não, por motivo de doença é impossível.

- Percebo. É que para concluir o processo preciso de contactar com a Senhora.

- Percebo. Mas por motivo de doença é completamente impossível.

- Percebo. Aproveito para apresentar os nossos votos de pronto restabelecimento. 

- Muito amável. Transmitir-lhe-ei o seu cuidado logo que acabarmos a chamada.

- Ahnnn... Muito obrigado. Estou a falar com o Senhor?

- Rui Rocha.

- Sugiro então que abramos uma excepção.

- Ah, muito obrigado (faço, ao mesmo tempo, uma pronunciada vénia de agradecimento).

- Se me permitir, coloco-lhe as questões que faltam para concluir o processo.

- É mesmo necessário? É que a minha mãe já declarou por escrito que não pretende o serviço. Não vejo a necessidade...

- Compreendo. Mas sim, não posso concluir o processo sem colocar as questões.

- Diga.

- A residência da Sra. Y é na Rua (...).

- Confirmo.

- E tinha contratado o pacote Funtastic com 142 canais e mensalidade promocional no valor de vinte e nove euros e trinta e dois cêntimos?

- Olhe... agora apanha-me em falso. Confesso que nos últimos dias andei a vasculhar nos papéis todos da minha mãe até descobrir qual o pacote de cabo que ela tinha. E estava capaz de jurar que eram vinte e quatro cêntimos... E 138 canais.

- Não, a informação que tenho é que era de  vinte e nove euros e trinta e dois cêntimos e 142 canais.

- Hmmm. E está certo de que era o pacote Funtastic?

- Sim, essa é a informação que tenho em sistema.

- Por vinte e nove euros e trinta e dois cêntimos e com 142 canais?

- Sim, é exactamente isso que está em sistema.

- Está mesmo seguro?

- Sim, exactamente.

- Então confirmo o pacote e o valor.

- Ah, muito obrigado. E pode dizer-me que tipo de canais são os preferidos da sua mãe?

- Se calhar era melhor dizer-me a lista de canais disponíveis para eu ver se me está a falhar algum.

- Sem qualquer problema. Mas... são 142 canais...

- Pois, mas para o inquérito ser rigoroso...

- Claro. Mas se tiver uma ideia aproximada. Por exemplo, se é uma pessoa com mais idade, talvez os canais de informação, os generalistas...

- Talvez... Mas acho que não. Ponha o MTV Rocks.

- O MTV Rocks?

- Sim, a minha mãe gostava muito de ouvir os Nirvana e dos Red Hot Chili Peppers.

- Ah... vou então registar os canais de música.

- Muito bem. Mas sublinhe o MTV Rocks.

- Muito bem. Senhor Rui Rocha, na residência onde está instalado o serviço pode dizer-me se vivia mais alguém?

- Porquê, desconfia de alguma coisa?

- Ahnn... Não. Não. É só mesmo uma informação requerida pelo sistema.

- Certo. O sistema. Pois então pergunte por favor ao sistema qual a carga de água que faz com que seja preciso dar-lhe informações sobre o número de pessoas que vive em casa da minha mãe para proceder ao cancelamento de um serviço.

- Muito bem, Sr. Rui Rocha.

- Perguntou?

- Quer dizer, não, quer dizer o sistema não responde.

- Foi abaixo?

- Não, quer dizer, não permite fazer perguntas.

- Ah... 73.

- Agora não percebi.

- Ponha que residem ainda 73 pessoas no T2 da minha mãe.

- 73?

- 73. Ponha 73.

- Muito bem, Sr. Rui Rocha.

- Não se esqueceu do 3 depois do 7, pois não?

- Não, de todo. Coloquei 73.

- Óptimo.

- Senhor Rui Rocha, uma outra pergunta. A mãe vivia em casa própria?

- Agradeço-lhe a preocupação. Mas sim, era adequada. Confortável e acolhedora. Só lhe faltava mesmo um bocadinho mais de sol. E de espaço porque eram 74 contando com ela.

- Não, não. O que eu quero saber é se era arrendada.

- É o Senhor que quer saber ou é o sistema? A si digo-lhe de bom grado. Depois desta conversa, já é como se fosse da família. Ao sistema custa-me mais um bocadinho.

- Bem, sou eu para inserir em sistema.

- Pronto. Se é para inserir, está bem. Eu digo-lhe: é arrendada. Mas, já vê. Era barato. A dividir por 74...

- Claro. E o Senhor Rui Rocha não tem o contacto do senhorio?

- Não me diga que vai fazer queixa de que viviam 74 num T2?

- Não, de todo. É só mesmo para inserir em sistema.

- Jura que não é para fazer queixa?

- É só mesmo para o sistema.

- Pois, mas não tenho o contacto. Agora, é capaz de o conhecer. É o Joaquim Couto que tem aquela empresa de construções em Vila Verde.

- Ah, pois. Não conheço. Eu estou em Lisboa.

- Ah, pronto. Então nada feito.

- Senhor Rui Rocha, uma última pergunta. Conhece alguém que não seja cliente da ZON que possa estar interessado em beneficiar da promoção do pacote Funtastic contratado pela sua mãe e que queira indicar-nos.

- O que me está a perguntar é se me estou a lembrar de alguém que me apeteça indicar para beneficiar de uma fantástica promoção aproveitando o facto de a minha mãe estar com uma doença grave?

- Pois, aproveitar a promoção...

- O preço é mesmo vinte e nove euros e trinta e dois cêntimos?

- Confirmo.

- Nesse caso, não. Ainda se fosse pelos vinte e nove e vinte e quatro...

- Agradeço-lhe então a sua disponibilidade e vou dar o processo por concluído. Nos próximos dias será contactado para recolher o equipamento. Muito obrigado.

- Não se preocupe. Não tem de quê. Não quer aproveitar para desejar as melhoras à minha mãe?

- Peço desculpa, agora não percebi.

- Como estava tão preocupado com a saúde dela no princípio da conversa, pensei que quisesse renovar o desejo de pronto restabelecimento.

- Ah, claro que sim.

- Esteja tranquilo. Não me esquecerei de lhe transmitir.

- Então muito obrigado e boa tarde.

- Boa tarde.

2 comentários

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    Rui Rocha 09.10.2012

    Resta-nos isso, Ana.
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