Da representatividade
Vamos a factos porque o tema é delicado: "Portugal já tem hoje o menor número de deputados por habitante de todos os países da Europa Ocidental", como bem analisou o nosso Pedro Correia. O discurso desta redução tem duas fontes: a revolta dos cidadãos com os políticos, sendo os deputados o seu principal rosto, e os movimentos antipartidários e anarcas, que vêem nele uma forma fácil de granjear simpatias. O problema da democracia não está no excesso de deputados, está, quanto muito, no excesso de assessores, motoristas e afins, que ganham o mesmo e, em muitos casos, acrescentam pouco. Um razoável número de deputados garante representatividade às minorias, permitindo um melhor e mais variado debate e expressão de opiniões e sensibilidades não dominantes ou alinhadas. A generalidade dos que defendem a redução do número de deputados ignora que essa seria a melhor forma de perpetuar aquilo que querem combater com essa opinião.
O facto de o PS trazer esta questão a debate assusta-me. Uma medida destas não faz parte da sua espinha dorsal ideológica. O PS defende a pluralidade de opinião e o garante das diversas formas de expressão. Limitar o número de deputados é limitar a voz a outras forças políticas e evitar que novas possam surgir. É secar o debate político e a troca de ideias e fazer com que fique insuportavelmente redondo.
Quantas mais análises faço a qual terá sido o motivo desta iniciativa, pior. Se o objectivo foi o perpetuar do centrão no poder, numa fase em que PS e PSD se sentem ameaçados pelas ruas e pelas sondagens, é lamentável que se esteja a tentar contornar a previsível vontade popular desta forma. Se for uma jogada política para criar conflitos entre PSD e CDS, uma vez que é sabida a dissonância entre ambos quanto a esta questão, preocupa-me que a liderança do PS abdique do seu pensamento para gerar um arrufo, por tacticismo puro. Criar este novo sound bite, lançando este debate profundo na semana em que o Governo anunciou o maior assalto fiscal da história da democracia portuguesa, é um valente tiro nos pés. Nem votos renderá porque, nesta altura, as pessoas estão iradas com as medidas que não pensam em mais nada que não seja o combate às mesmas.
PS. Faria bem mais sentido que o PS desse cobertura ao sentimento popular abrindo a Assembleia da República à possibilidade de candidaturas de movimentos de cidadãos, algo expressamente vedado pela Constituição. Isso sim seria liderar a reforma da nossa democracia e abraçar a sensibilidade e a descrença das pessoas.