Os deuses vendem quando dão
Cruzei-me fugazmente com Margarida Marante quando ambos dávamos os primeiros passos no jornalismo, há mais de 30 anos, e guardarei sempre a imagem dessa jovem que conheci mal saída da adolescência e que nenhuma capa dessas revistas que vendem papel arrastando na lama a reputação alheia conseguiu ofuscar. A fama bateu-lhe à porta sem demora: mal completara vinte anos, já moderava debates de primeiro plano e entrevistava todos os protagonistas políticos do País na RTP, então a única televisão em Portugal. Época irrepetível, em que toda a gente via o mesmo canal à mesma hora: o estrelato televisivo tinha uma dimensão sem par nestes dias tão dispersos da Internet, das redes sociais e da TV por cabo.
Margarida Marante era determinada, ousada, ansiosa e também insegura, como bem lembra Francisco Seixas da Costa: tinha os defeitos inerentes às suas qualidades. E, como geralmente acontece com as mulheres muito bonitas, sentia-se na necessidade permanente de provar a si própria e aos outros que tinha muito mais para dar enquanto jornalista do que um rosto atraente.
Tudo lhe aconteceu demasiado cedo. E não tardou a descobrir também que a televisão - incluindo neste contexto muito amplo as publicações que gravitam em torno da caixa que mudou o mundo - é uma máquina trituradora, espécie de deusa que exige permanente tributo a quantos vai concedendo a graça do seu brilho. Como escreveu Pessoa, os deuses vendem quando dão.
Pagou um preço elevado pela súbita glória televisiva, em regra tanto mais ilusória quanto mais ofuscante. Demasiado cedo chegou, demasiado cedo partiu. Seremos cada vez menos os que se recordarão dela eternamente jovem, naquela época em que suscitava amores e ódios, dividindo irremediavelmente opiniões naquele Portugal pós-revolucionário. Tempo fugaz, como é e será sempre o tempo. Não adianta aprisioná-lo num ecrã de televisão: nestes casos ele voa ainda mais rápido e ainda para mais longe.


