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Delito de Opinião

Ponto de situação e desistência

José António Abreu, 02.10.12

1. Defendi alterações na TSU desde o início do programa de ajustamento. Gostaria que tivessem sido anunciadas após o Verão de 2011 e implementadas em 2012. Agora, parece que a TSU ficará como está e que o esforço de correcção orçamental será assegurado apenas através dos impostos. Ou seja: perdem-se o factor de estímulo das exportações e o corte da despesa pública correspondente aos 5,75% do valor dos salários dos funcionários públicos e volta-se a um trajecto sem imaginação que, como sucedeu nos últimos anos, também fará retrair a economia. Vitória? De Pirro, quase certamente.

 

2. Defendi que o esforço de correcção orçamental devia incidir mais sobre o sector público do que o privado, por razões de – pasme-se – equidade (quando as suas empresas se encontram em dificuldades, os funcionários do sector privado não vão buscar salário aos do sector público) e, acima de tudo, porque é o sector privado que nos pode tirar da crise (o sector público desempenha muitas funções importantes mas não exporta). Graças à Constituição que temos, também este ponto parece prestes a cair. Ainda bem? Lamento mas não. Ponto a ponto, estamos a tornar a recuperação mais difícil.

 

3. Qualquer país que, tendo um nível de vida abaixo da média de uma dada zona, pretenda ganhar terreno aos mais ricos tem de apresentar condições atractivas em tantos ramos quantos lhe for possível, em vez de se limitar a queixar-se da injustiça do desnível. No último debate entre Sarkozy e Hollande, este repetia que na última década a França apresentou níveis de crescimento inferiores à Alemanha; a certa altura, Sarkozy atirou-lhe que a Alemanha fez há dez anos aquilo que os socialistas franceses ainda recusam hoje. O pequeno francês hiperactivo tinha toda a razão. E a situação torna-se mais grave quando, em vez de França, estamos perante Portugal, Espanha, Grécia ou Itália. Repare-se no que sucede por cá: exigimos salários e pensões similares aos da Europa do Norte mas recusamos a legislação laboral dinamarquesa, a idade de reforma alemã, o sistema de segurança social sueco. Em contrapartida, temos um Estado quase tão grande e um nível de impostos quase tão alto como os desses países. E somos muito piores no nível de corrupção, na burocracia, no sistema de Justiça. Nestas condições, só é possível recuperar ou, até, manter o nível de vida se os cidadãos dos países mais ricos aceitarem subsidiar-nos. Para sempre.

 

4. Evidentemente, não aceitarão. Nem seria lógico que o fizessem. Na situação deles, nós também não o faríamos. Atente-se no modo como os portugueses do continente reagiram ao buraco orçamental madeirense. Ou na forma como na Catalunha se exige que todos os impostos cobrados na região lá sejam aplicados. Ou até na maneira como os italianos do norte olham para os seus conterrâneos do sul. A que propósito hão-de finlandeses e alemães aceitar enviar-nos dinheiro? Obviamente, só o farão enquanto ganharem com isso (por exemplo, através de captação de fluxos de capitais – os quais, acrescente-se, só vieram para cá devido ao euro) ou, pelo menos, não perderem. Mas, do lado deles e do nosso, durante quanto tempo poderá a situação prolongar-se?

  

5. E isto traz-me ao ponto mais duro. Suspeito há muito que não existem condições para o euro resistir. Cheguei a ser taxativo sobre o assunto mas, talvez ingenuamente, mantive uma ligeira esperança de que fosse possível fazer os povos do Sul perceberem que não há riqueza com moeda fraca e desvalorizações constantes. De que fosse possível fazê-los perceber a inevitabilidade dos cortes e das reformas como via para uma economia de crescimento sustentado. Não é. Nem em Portugal nem nos outros países em dificuldades. Aos governos falta coragem para implementarem verdadeiras reformas, aos cidadãos sobram ilusões de que é possível manter o nível de vida atingido com dinheiro emprestado. Mais: prolongar a agonia afigura-se cada vez mais um erro: o castelo tem demasiadas cartas e há demasiadas mãos a mexer-lhe. Cairá.

 

6. Saiamos do euro. Suportemos dois ou três anos duríssimos e depois, porque não sabemos fazer de outro modo, voltemos ao nosso ritmo tradicional de desvalorização e inflação. Continuaremos pobres mas de uma forma a que já estamos habituados. E nas ocasiões em que tivermos de chamar o FMI (como em 1978, como em 1983), não perderemos tempo apontando o dedo a outros.

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