Também eu te percebo, Fernando. O que seria - e teria sido - de nós sem isso? O romantismo das certezas, o toque irresistível do clarim, a impaciência para pensar 2 vezes... a chama incendiária de uma ideia.
- Quem, com neurónios, pode resistir a isso? Ao chamamento de uma ideia (sublinho)?
Não posso concordar mais contigo.
Mas eu falava de outra coisa bem diferente. E queria precisamente sublinhar a necessidade da não confusão entre as 2 situações.
Na rua há de tudo! Ele há a água benta das maciças procissões.
Há a redentora DUDH, que bem lembras. Há Boston e o 1º de Maio. Há a Marselhesa.
Etc, etc, etc.
E depois também há o 'Terror', com Marat e Robespierre... O povo ululante, aplaudindo as fogueiras da santa Inquisição... E até o gonçalvismo... Todas são coisas "da rua", chamemo-las pelo nome que têm
Não te contradigo, só não comparo as situações, porque não as acho comparáveis.
E porque acho que a cultura não é uma boina à Che, nem um chá das 5 num Museu.
É qualquer coisa que nos obriga, pela acumulação de saberes que a vida nos dá (caso sejamos livres e sem lojas de qualquer espécie), a distinguir a escala das cores da nossa indignação.
Também estou contigo, Laura, na distinção entre grupos e rebanhos, ou alcateias. Lembro só que esta nossa troca de acertos veio a propósito de considerações de vários lados sobre duas manifestações de grupos de indignados, assimiladas por muitos colunistas a uma ameaça às instituições senão à própria democracia. Quando não o foram. A questão de fundo, Laura, é que Portugal chegou muito atrasado, como noutras coisas, à sociedade civil, que agora desce, pacífica, à rua, e isso mete medo, muito medo, a todos os casinos, incluindo à esquerda conservadora. Se cada um foi pelos seus próprios motivos, todos foram por um igual: o sistema esgotou-se, esta democracia esgotou-se, já não serve, é preciso reinventá-la, aprofundá-la, radicalizá-la. Tu chamaste, e bem, a palavra "ideia". Tocaste no ponto, o ponto que assusta tudo o que é institucional, e por definição conservador, que cerrou fileiras mais uma vez, e, repito, da esquerda à direita mais caceteira. Enfim, quando eu disse que a rua não basta, que é preciso agir, apelava à recuperação de soluções que ficaram pelo caminho antes de sermos alegremente engolidos pelos ordenados mínimos e o bem-estar social, cujo resultado está à vista. Há alternativas, há soluções, sim senhora. O que passamos não é uma fatalidade. E não há que ter medo nem da rua nem da Ideia.