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Delito de Opinião

Cama 306

Fernando Sousa, 27.09.12

… não estou aqui, imagino que não estou aqui, estou numa cama de um hospital, a cama 306, já não tenho a inteligência ligada à saúde, tenho só o corpo ligado a tubos e a esperança ligada à vida, imagino que os médicos se enganaram, ou que não previram tudo, que tenho mais do que dois meses de vida, imagino um milagre, eu, finalmente entre a morte e a fé, imagino o meu neto que nascerá dentro de três meses, aquele abraço que devo, o muro que não acabei de mandar abaixo, a novela a que só me falta um capítulo e mais umas coisas que o meu sentimento de eternidade foi adiando; imagino que me vieram perguntar, um senhor muito gentil, muito, muito compreensivo, do economato, se não me importava de morrer no prazo certo, ou se possível mais cedo, pois gastam comigo fortunas devidas à dívida soberana. Não estou aqui, estou numa cama de um hospital, público, português, corre Setembro de 2012, já não tenho a inteligência ligada à saúde, apenas rezo, eu, que sempre achei a oração como um desperdício da razão, para que os médicos se tenham enganado, o que às vezes acontece, ou haja um milagre, o que também não é raro, ou então para que me apague como uma pessoa e não uma rubrica do Orçamento de Estado. 

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