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Delito de Opinião

Como tudo que acaba também o Verão

José Navarro de Andrade, 07.09.12
 

 

Foi preciso vir o Paris-Match a Lisboa em Agosto, para se descobrir, cá em baixo, que 1975 não foi nada assim – nem nós demos por isso à época, quanto mais quem não era nascido…

O verão de 1975, o mais belo dos verões para quem alguma vez teve 16 anos. Há lá simbiose mais feliz do que um país parvo como um adolescente, às mãos de um adolescente esparvoado com os avatares revolucionários, por esses dias despejados em Lisboa.

Tantos eram os estrangeiros – hoje vulgarmente apelidados de “europeus” – de mochila às costas que o relvado do Estádio Universitário foi convertido num parque de campismo. Se a memória não falha, o recinto seria pressurosamente guardado pelos lenços negros do COPCON e à noite não era o restolhar das árvores que nele se escutava. Não, o que se ouvia eram os suspiros da liberdade. Pois para isso tinha a euro-juventude acorrido, para conviver com uma revolução ao vivo, à falta de ter ido ao Chile enquanto deu.

Soldados e marinheiros unidos venceram deveras os corações e sobretudo os ventres (palavra um nadinha clínico-clériga, mas na ocasião celebradíssima poeticamente por Ary dos Santos e Tonicha) das miúdas de idiomas embrulhados e com deliciosos ouriços nos sovacos, atestando que eram totalmente revolucionários os seus ardores – nem doutro modo seriam desejáveis.

As mais briosas e culpadas era as alemãs adeptas da Rotte Fahne, as mais discutíveis (quer dizer: não se davam à praxis antes de discutir Gramsci) eram as italianas, émulas de Rosssana Rossanda. As francesas, como de costume, parecia que nada lhes chegava aos calcanhares de 68 e tudo lhes sabia a pouco – y en a marre… As poucas nórdicas, sempre chegavam cá demasiado enfastiadas, por lhes ser oferecido o que elas em casa já tinham em demasia, mas ainda assim, os calores fétidos do Atlântico Sul adoçavam-lhes um pouco os humores militantes, severos do seu natural.  

Na Baixa faziam as vezes de sinal horário as zaragatas com os retornados em cacho à porta do Pic Nic do Rossio, animados a recordarem as pacaças e a discutirem os caixotes que atulhavam a doca de Alcântara. Pertencia à festa haver putativos reacionários à mão de semear.

Mas era tanto o caudal de visitantes e tão recheado o calendário de manifestações, que os magalas não davam conta do recado. Entra aqui o miúdo de 16 anos. Queres mesmo, mesmo, mesmo a sério ver a revolução em marcha? Ach, et bien…, da vero! Pois então passaremos o fim-de-semana a sacholar na Torrebela. E lá tinham o Rabaça e o Mortágua que aturar mais uns desvairados espezinhando as culturas, tudo menos labutando em prol do povo.

Mas o Paris Match viu outro Verão.

 

Nos baldios que se estendem para além da Serra de Aire até ao sol-posto de Caminha, os pés sujos de chanatos não pisavam. Nessas terras do demo, um cónego de Braga açulava sicários, veteranos que vieram vesgos das matas de África e estavam danadinhos para reproduzirem a alegria outrora sentida diante das cubatas a arder com os pretos lá dentro. A foto da capa do Paris-Match nº1369, datado de 23 de Agosto de 1975 estampa um militante do PCP escudado por polícias tão arrepelados quanto ele, exibindo um justo pânico por estar a ponto de ser linchado ou assado. Aqueles verões de 75 tiveram muito menos piada que os nossos – como de costume, aos nortenhos faltou-lhes graça.

Duraram mais uns anos as raivas, cá em baixo ao tempo que não havia campistas, até que por fim um tal de comendador atravessou o Porsche na estrada por via de uns balázios que o deixaram sentado no bólide a contemplar infinitamente o Portugal mais-que-perfeito daquelas bandas. E por ali diz-se que se ficaram.

Ainda hoje não é costume ir muito para aqueles lados, húmidos e gordurosos. Há poucos anos não tinham perdido a comichão de gatilho e matavam-se com sinceridade à porta de boites por causa de certos negócios lá deles. Ultimamente só damos por eles quando aparecem alguns desdentados na televisão a celebrar campeonatos de futebol. Bem nos avisou a Sra. D. Agustina que por ali ser lírico e manso não era elogioso, o que os franceses do Paris-Match cataram logo à primeira – zut alors

 

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