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Delito de Opinião

A sereia da Praia

João Carvalho, 15.07.12

Deambulando por este espaço virtual, encontrei por mero acaso uma lenda açoriana um tanto inesperada. Ingenuamente centrada num tema tão infantil como a própria lenda, tem o dom de consagrar a beleza secular do amplo areal branco no nordeste da Terceira, a mais extensa praia em redor de toda a costa, onde foi fundada a cidade da Praia e onde se encontra o porto que serve a ilha. Passemos ao essencial da lenda.

 

 

Noite de Lua cheia. Boiando sobre as sossegadas ondas que docemente vinham acabar-se na areia branca, uma mulher de longos cabelos de ouro parecia ondular ao sabor da água.

O tronco nu era de uma perfeição rara e o rosto tão suavemente belo que um pescador, deslumbrado com a visão, não sentiu qualquer tentação cuja libido pudesse perturbar aquele encanto.

Ela aproximou-se. Quando já estava muito perto, o homem percebeu, cheio de temor, que o seu pescoço estava desfigurado pelo que parecia serem guelras. Mais: o seu corpo, da cintura para baixo, também parecia igual ao de um peixe.

Na aflição de quem julgava ter o diabo ao pé de si, o pescador esconjurou a aparição. Nesse mesmo instante, a mulher, que um qualquer poder maléfico e vingativo devia ter transformado em sereia, voltou à forma humana e perfeita que a sua figura inicialmente sugerira.

Esta lenda não nos conta se os dois se casaram e viveram felizes para sempre, mas podemos imaginar-lhes esse destino ditoso.

Já essa praia merece que a felicidade a contemple. Tão bela ela é que, num mapa dos Açores datado de 1584 – feito pelo cosmógrafo Luís Teixeira no período filipino – o seu nome surge como Plaia Hermosa. Como o mapa foi feito para D. Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal), todas as legendas do mapa aparecem no mesmo castelhano arcaico.

Que a praia é formosa, percebe-se logo à primeira vista. Por isso, dispensa o adjectivo, que nunca foi usado pelos naturais da ilha (a Ilha Terceira), mas houve seguramente boas razões para que o topónimo não se ficasse pelo simples nome de Praia. De resto, eram bem conhecidas todas as praias dos Açores, sem dúvida, pois na legenda que explica o mapa está escrito em latim: «Estas ilhas foram percorridas com a maior diligência, e com todo o cuidado as descreveu o português Luís Teixeira, cosmógrafo da Majestade Real. Ano de Cristo de 1584.»

Trata-se do mesmo autor no mesmo ano desse mapa da Praia, essa que viria um dia a merecer chamar-se Praia da Vitória. Um topónimo bem mais afirmativo do que Praia Formosa. Sem deixar de ser praia e de ser formosa.

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