Estado de choque constitucional (1)
Ao contrário do leio da maioria, a decisão do Tribunal Constitucional não é sinal que este funciona bem, que defende os trabalhadores, os seus direitos adquiridos, ou mesmo a Constituição da República Portuguesa como algo intocável e sagrado. Bem longe disso, é um trampolim para a entrada de cortes no 13.º e 14.º mês no sector privado, sem que o Governo tenha de assumir os custos políticos disso. Onde até agora se dizia, "cortámos na função pública porque o Partido Socialista assumiu compromissos com a Troika", agora vai dizer-se, "temos de cortar no sector privado porque o Tribunal Constitucional a isso obrigou". Este foi o expediente encontrado para cortar ainda mais a direito, para promover ainda mais austeridade sem ninguém dar por isso e com uma aura de (falsa) inevitabilidade. Foi o empurrão dos supostos guardiões da Constituição para que a meta do défice seja cumprida.
Os únicos juízes do Tribunal Constitucional que merecem admiração e respeito são os três que votaram vencido, em especial, Carlos Pamplona de Oliveira, cuja declaração de voto transcrevi.
O País está equivocado na análise que faz. Seis juízes do Tribunal Constitucional votaram a favor de um Acórdão que suspende alegremente a Constituição da República Portuguesa. Num precedente nunca antes aberto diz-se que um diploma é inconstitucional mas que isso se aceita, apesar de não haver fundamento. Não falamos de amendoins, antes do corte de dois salários a centenas de milhares de portugueses. Deviam, pois, cobrir-se de vergonha esses seis juízes que trucidaram as regras que juraram proteger.
Está toda a gente a passar ao lado da gravidade que esta questão assume. Estou tão estupefacto quanto preocupado.