Sobre a decisão do Tribunal Constitucional
As fragilidades jurídicas da decisão do TC sobre o corte dos subsídios da função pública são óbvias. Desde logo, o facto de ter eficácia, na prática, quando as normas em causa já não estiverem em vigor (integram o Orçamento de Estado para 2012) e de não produzir qualquer efeito no ano em curso, em que se encontram em execução. Por outro lado, a falácia do fundamento da igualdade, entendido de forma estática e circunscrita a um único aspecto, não tendo em conta que a relação de emprego público apresenta natureza qualitativamente distinta da que se estabelece entre um empregador privado e os seus trabalhadores. Na verdade, é difícil perceber que o princípio da igualdade que impede o corte dos subsídios não sirva para responder a outras questões: os trabalhadores do sector privado podem, a partir de agora, exigir a equiparação aos salários praticados no Estado, o acesso aos esquemas de protecção na doença e de pensões dos funcionários públicos, a nacionalização das empresas em dificuldades? No limite, e se por motivos eleitorais ou outros, um determinado governo vier a decidir, em conjuntura de crise, aumentos salariais significativos, reclassificações generosas ou promoções desbragadas, poderão os trabalhadores do sector privado paralisar tais intenções com a invocação da inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade? Ou devemos concluir que a referida igualdade vale apenas quando se trata de regressão e não para as situações de promoção, aumento e melhoria de condições e benefícios? E isto leva-nos a outra crítica que me parece evidente mas que ainda não vi referida. O Estado assume múltiplas funções. Quando decide cortar remunerações, fá-lo na qualidade de empregador, com a intenção de reduzir despesa. Assim, quando o TC entende que deveriam ter sido tomadas medidas equivalentes para o sector privado, confunde os âmbitos de intervenção do Estado. Não há qualquer medida equivalente que este possa tomar no sector privado pela simples razão de não poder actuar em relação a este como entidade empregadora. Assim, o que o TC pede é, na verdade, uma impossibilidade. De facto, a única medida equivalente ao corte de salários são os despedimentos na função pública. O lançamento de um imposto generalizado pressupõe a intervenção na qualidade bem distinta de autoridade fiscal. E tem, evidentemente, natureza, âmbito, pressupostos e resultados bem diferentes.