Eleições gregas: algumas reflexões
E SE NÓS, PORTUGUESES, TAMBÉM VOTÁSSEMOS HOJE NA GRÉCIA?
Imaginem agora, por um momento, que éramos todos gregos. Íamos hoje votar pela segunda vez em seis semanas. A primeira, em 6 de Maio, não serviu para nada: as forças políticas eleitas por voto popular, confundindo cálculo partidário com interesse nacional, foram incapazes de formar um governo de unidade - primeiro passo, aliás fundamental, para tentar tirar o país do atoleiro em que se encontra.
Imaginem que éramos gregos. Íamos votar. Para quê? Para produzir novo impasse destinado a tornar ainda mais fundo o atoleiro ou procuraríamos que o nosso voto se tornasse parte da solução e não parte do problema?
É verdade que a Europa, em grande parte por incapacidade dos seus dirigentes, se tornou um problema dentro do problema dentro do problema. Como naqueles jogos de caixinhas chinesas da nossa infância. Mas é um facto que a Grécia nunca fez parte de solução alguma. Pelo contrário. Um país que contribui apenas com cerca de 2% do PIB da União Europeia tem ocupado, mais do que nenhum outro, as manchetes da imprensa mundial sempre por maus motivos.
Mentiu sobre o défice das contas públicas. Quando o socialista Georgios Papandreu venceu as legislativas de Outubro de 2009 verificou que o défice real, herdado do governo conservador da Nova Democracia, ascendia aos 12,7%: nada tinha a ver com os 6% comunicados oficialmente a Bruxelas.
Houve dois empréstimos de emergência negociados por Atenas em condições muito precárias com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Em Maio de 2010 e em Outubro de 2011. Para o envio de 240 mil milhões de euros aos gregos, a troco de um brutal plano de austeridade.
O país passou a fazer parte da solução? Não. Continuou a ser parte do problema.
De então para cá, houve sucessivas greves gerais (oito só em 2010).
Houve uma tentativa fracassada de Papandreu para fazer preceder o segundo resgate financeiro de um referendo aos gregos. E logo caiu o Governo do PASOK, minado por insanáveis divergências internas.
Formou-se um Executivo de "unidade nacional" (que nada tinha de unitário e muito pouco de nacional) liderado por um tecnocrata, Lukas Papademos.
Realizaram-se há seis semanas as tais eleições que não serviram para nada.
Balanço?
Não podia ser mais negativo.
- Dívida pública grega: 163% do PIB.
- Défice externo: 7,3%.
- Défice orçamental: 7,5%.
- A actividade turística - que gera cerca de um quinto dos empregos directos na Grécia - caiu 15% no primeiro trimestre de 2012.
- 40% das reservas turísticas para o Verão foram anuladas desde o fracassado escrutínio de 6 de Maio.
- A produção industrial caiu 8,5% em 2011.
- A receita do Estado caiu 10,2% em 2011.
- Taxa oficial de desemprego: 21,7%. Em certas regiões ronda os 70%.
- Cerca de 400 mil famílias gregas não possuem rendimentos de qualquer espécie.
- Pelo menos um terço dos gregos, segundo estimativas credíveis, vivem na chamada "economia informal". O país detém o recorde europeu de evasão fiscal.
- A Bolsa de Atenas caiu 56% no último ano.
- Tem-se registado uma corrida aos depósitos bancários. Em média, os gregos retiram dos bancos entre 500 milhões e 800 milhões de euros por semana, convertendo-os em libras ou francos suíços. Quarta e quinta-feira, o ritmo aumentou: um milhão levantado em cada dia.
- Desde 2010, os bancos gregos terão perdido já 72 mil milhões de euros em depósitos, o equivalente a cerca de 30% do total.
Há culpas próprias, claro. Mas também culpas alheias. Georgios Prevelakis, professor de Geopolítica na Sorbonne, adverte em entrevista ao El Mundo: «A Alemanha tem repetido na Grécia os erros cometidos pelos aliados após a I Guerra Mundial.»
Como sair do impasse? Atirar mais dinheiro sobre o problema? Já se viu: a solução não passa por aí. Mas há necessidades urgentes que requerem paliativos urgentes. E caros. Um exemplo: se não receber até 20 de Julho a próxima fatia do empréstimo internacional, no montante de 2 mil milhões de euros, o Estado grego não conseguirá cumprir as suas obrigações mais elementares. A começar pelo pagamento de salários e pensões (uns módicos 600 milhões de euros).
Duas evidências:
- O Estado grego desagrega-se de dia para dia.
- Há uma forte tradição de intervenção militar na politica grega, como ficou amargamente demonstrado na ditadura dos coronéis (entre 1967 e 1974). E o Egipto, onde o processo democrático acaba de ser travado por uma conspiração conjunta entre militares e juízes, não fica muito distante de Atenas. Mais perto ainda fica Itália, onde não falta hoje quem se orgulhe de ter "um governo sem políticos".
Nada de ilusões: no limite, é a própria democracia que começa a estar em causa.
O seleccionador nacional da Grécia é português. E acaba de produzir um quase milagre, qualificando a débil selecção grega para os quartos-de-final do Campeonato da Europa.
Conseguirão os gregos qualificar-se para as etapas seguintes da construção europeia, muito mais exigentes e que nada têm a ver com futebol?
E nós, portugueses, se fôssemos gregos, como votávamos?
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