Um "acordo", três grafias
Um Acordo Ortográfico (AO) que pretendia "unificar a ortografia" consagra afinal... três ortografias. A brasileira, a portuguesa e a que se mantém em Angola, o maior país da África lusófona. Já havia diferenças de pronúncia, de vocabulário e de sintaxe entre os lusofalantes. Passa a haver agora ainda mais diferenças na grafia, o que diz muito sobre o mérito das luminárias que deram à luz este "acordo".
O Presidente da República, na deslocação que acaba de fazer a Díli como convidado de honra das comemorações do décimo aniversário da independência de Timor-Leste, confessou com assinalável franqueza a sua falta de apego ao chamado "acordo ortográfico" da língua portuguesa. «Todos os meus discursos saem com o acordo ortográfico mas eu, quando estou a escrever em casa, tenho alguma dificuldade e mantenho aquilo que aprendi na escola.». Também recentemente, numa entrevista à revista Sábado, o ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, emitiu uma opinião em sintonia com a de Cavaco Silva: «Eu não gosto de ter de mudar a maneira de escrever. Não gosto. É a minha opinião pessoal.»
Estamos assim: cada vez mais confusos, cada vez mais baralhados. Com três grafias oficiais da língua portuguesa. Confrontados com o insólito conceito de "pronúncia culta" que serve de fundamento "científico" à novissíma ortografia de base fonética. E sem o prometido novo vocabulário ortográfico da língua portuguesa, que jamais viu a luz do dia ao contrário do que fora prometido.
Felizmente, no meio desta balbúrdia, fomos confortados com garantias emanadas da recente cimeira de ministros da educação dos países lusófonos que prometeu a revisão do AO a curto prazo. Concretamente, os representantes dos executivos lusófonos comprometem-se a realizar "um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990" e "acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa de 1990, na sequência da apresentação do referido diagnóstico".
Garantias por sinal expressas num comunicado redigido em português, não em acordês. O que deve ter feito ranger os dentes a muitos caçadores furtivos de consoantes mudas. Ainda bem.