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Delito de Opinião

Das distorções literárias ou olhando para trás com olhos actuais

José António Abreu, 12.06.12

Max Aue quase me partiu o pulso após meia dúzia de páginas, facto que tomei como bom indicador da malevolência da criatura, mesmo forçada ao ambiente – que imagino abafado, seco, claustrofóbico – do interior de um livro. Por causa disso e de outras cobardias, a minha cópia de As Benevolentes encontra-se há cerca de quatro anos a arquear uma das prateleiras da estante, ainda por ler. Pelo que não posso sequer comentar o texto que vou apresentar de seguida. Mas, na sequência do post do José Navarro de Andrade, não resisto a colocá-lo aqui, em especial porque me parece poder representar bastante mais do que uma simples opinião em relação a As Benevolentes. E já sabem; se tiverem questões que exijam conhecer o livro, não falem comigo. Talvez o José Navarro vos possa ajudar. Ou então arrisquem os vossos próprios pulsos e leiam-no.

 

Li num fórum Internet a afirmação categórica de um leitor sobre a personagem de Littell: «Max Aue soa a verdadeiro porque é o espelho da sua época.» Nada disso. Soa verdadeiro (para certos leitores fáceis de enganar) porque é o espelho da nossa época: niilista e pós-moderna, para não dizer mais. Em nenhum momento é dito que essa personagem adere ao nazismo. Pelo contrário, ela assume um desprendimento por vezes crítico face à doutrina nacional-socialista, e nisso não se pode dizer que reflecte o fanatismo delirante que reinava na sua época. Em contrapartida, esse desprendimento exibido, esse ar indiferente de quem já passou por muito, esse mal-estar permanente, esse gosto pela argumentação filosófica, esse amoralismo assumido, esse sadismo amargo e essa terrível frustração sexual que o corrói… é claro!, como é que não percebi antes? De súbito começo a ver claro: Les Bienveillantes é «Houellebecq entre os nazis», pura e simplesmente.

Laurent Binet, HHhH.

Sextante Editora (2011), tradução de Manuela Torres.

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