Não me parece que Relvas esteja mais forte
Na versão de Miguel Relvas sobre a sua relação com Jorge Silva Carvalho, a verdade constrói-se no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio. A narrativa não relata o que efectivamente sucedeu. Adequa-se àquilo que se antevê que possa acontecer no futuro. E o futuro são os factos que os órgãos de comunicação social vão divulgar a seguir. A cada facto novo, a verdade de Relvas adapta-se, actualiza-se. Aproxima-se, a contragosto e na medida do estritamente necessário, da realidade. Silva Carvalho passa de alguém quase desconhecido, a contacto pontual em ocasiões sociais. E daí a interlocutor em reuniões de negócios. Neste modelo de verdade servida a conta-gotas, a transparência faz jus ao seu nome. Não se vê. Em tudo isto, Relvas cometeu, pelo menos, três erros. O primeiro consiste em não ter percebido que Silva Carvalho é, mais do que um espião, um agente. Altamente infeccioso. Qualquer contacto, na vida privada ou no exercício de funções públicas, implica uma forte probabilidade de contágio. A única forma de evitar a enfermidade é mantê-lo à distância. O segundo resulta de não ter aberto o jogo todo logo à partida. Não o tendo feito, arriscou-se a que a censura da opinião pública passasse da gravidade dos factos para a gravidade da sua ocultação. O terceiro ocorreu no episódio do Público em que não soube agir com a sobriedade de um titular de funções governativas e com a contenção própria de quem diz ter a verdade do seu lado. Relvas afirma que não mentiu, nem omitiu. Talvez seja assim. Provavelmente, omintiu. Uma conduta que fica algures entre a mentira e a omissão. Agora, tem a água pelo pescoço. É natural que se agarre a qualquer coisa para evitar afogar-se. Mas não podemos permitir que arraste para o fundo a nossa consciência. Sócrates nivelou por baixo os padrões morais do exercício de funções públicas em Portugal. Desanquei-o de forma regular e intensa. Não posso fazer menos relativamente a quem atribui à verdade uma natureza flutuante, em função das circunstâncias. Não foi para isso que, nas últimas legislativas, votei no PSD. Nem foi isso que o PSD me prometeu.