Jornalismo: uma história exemplar
Foi um dos mais célebres textos desde sempre aparecidos na imprensa espanhola: a 30 de Maio de 1968, o jornal Madrid publicava - com chamada de primeira página - um editorial intitulado «Retirarse a tiempo - No al General De Gaulle».
Na capa dessa edição, via-se uma grande foto sob a manchete «Francia: es el final». A foto mostrava manifestantes em Paris com uma máscara do velho General e um letreiro em que se lia 'Démission'. Legenda do jornal: «Um grito en la calle: Dimisión!»
Tudo apontava à superfície para De Gaulle, mas qualquer leitor mediano de entrelinhas percebia que nesta manchete do irreverente diário dirigido pelo jornalista Antonio Fontán tudo aquilo visava outro general: Franco.
Aliás, para que não restassem dúvidas, o editorial - assinado por Rafael Calvo Serer, presidente do conselho de administração da empresa proprietária do jornal - terminava desta forma: «España mantiene una semejanza de situaciones sociales y políticas con el vecino país. Si a Francia se le presenta el problema de la sucesión de De Gaulle y del régimen de la V República, también con especiales características está planteado en España. Mientras el general francés ha realizado una política exterior izquierdista, pero conservadora en el exterior, la política exterior española ha sido otro signo y en el interior está por hacer la reforma de las estructuras económicas y sociales.
Si el movimiento universitario y el obrero son de oposición radical al régimen personal de De Gaulle por la falta de participación de los gobernados en los niveles económico, social y político, los españoles no hemos resuelto la plena participación democrática cuando, según las leyes, se dan por terminados los períodos totalitario y autoritario del Régimen.
Esta es la cuestión clave. En la vía de su resolución se plantean estos interrogantes prácticos y urgentes: ¿cómo puede formarse un Gobierno para enfrentarse con las nuevas realidades?, ¿cuál será la organización política más adecuada para que este Gobierno pueda contar en sus decisiones con la mayor participación individual o asociativa? Y por último, en el momento de producirse la vacante previsible, ¿quién ha de ser el Jefe del Estado que reúna las mejores condiciones para la acción de aquel Gobierno radical y para contar con la máxima adhesión popular?»
O ditador espanhol, já nos seus anos crepusculares mas ainda com o regime "atado e bem atado" (a expressão é dele e ainda hoje se utiliza em Espanha, associada ao franquismo), enfureceu-se com esta edição do periódico madrileno e mandou aplicar-lhe uma das maiores sanções pecuniárias de que há registo na história do jornalismo espanhol. Mais tarde as pressões do regime acabariam por conduzir à demissão de Fontán, que após a morte de Franco viria a ser ministro do primeiro executivo liderado pela União do Centro Democrático, de Adolfo Suárez, e presidente da primeira legislatura do Senado após o restabelecimento da democracia (1977-79).
Em 1971, o irreverente Madrid viu-se forçado ao encerramento. Mas já conquistara um lugar de relevo no combate ao franquismo, designadamente por esta desassombrada edição de Maio de 1968. E hoje um dos mais relevantes prémios jornalísticos anuais em Espanha tem precisamente este nome prestigiado: Diario Madrid.
Imagens:
1. Uma das capas do jornal desse quente mês de Maio de 1968
2. Rua do centro de Madrid na década de 60
3. A última edição do irreverente jornal que Franco mandou fechar