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Delito de Opinião

Um perfil de estadista

José Navarro de Andrade, 27.05.12

Piero della Francesca, retrato dos Duques de Urbino, 1472

 

Vê-se logo pela quebradura do nariz que é uma rica bisca este Federico de Montefeltro. Ou então aquele olho de globo saliente mas ao mesmo tempo semi-cerrado a tirar as medidas ao mundo, sabe-se lá se quezilento ou apenas desafiante.

Mas a pergunta é outra: que decisão foi esta de Piero Della Francesca de retratar Federico e sua mulher de perfeito perfil sem o favor de um três-quartos por mais ligeiro que fosse?

Piero Della Francesca era matemático, conhecia sem hesitação a geometria dos rostos e à época já a pintura dominava a perspectiva. Até parecia mal retratar os patrocinadores com tão pouca graça e garbo.

Sucede que Federico de Montefeltro se fez nada menos que Duque de Urbino por via do seu casamento com Battista Sforza, donzela que lhe foi concedida pela casa do seu apelido, a maior de Milão, onde punha e dispunha, e sem haver quem a superasse em toda a itálica, talvez só igualada no poderio pelos Medici de Florença.

Que terá então feito Federico para merecer tão distinto matrimónio? Ele era um indomável estadista à moda do seu tempo, ou seja, um cabo de guerra muito impaciente e vitorioso, passando a fio de espada quem se lhe atravessasse ao caminho. Donde a limitação de Piero della Francesca no seu retrato: é que por via do ofício, Frederico tinha o olho direito vazado e a metade dextra da cara amarfanhada numa continua cicatriz. Pelos visto não era assim, de chagas à mostra, para mais agora investido da sua nova dignidade ducal, que Federico gostaria de ser recordado. E se o condottiere ficava de perfil, também a sua esposa teve que caber no retrato em pose equivalente, aqui com 28 anos e a semanas de morrer no parto do seu 9º rebento.

Qual será a moral desta história? Provavelmente que as razões próprias da arte só vêm a seguir a outras mais fortes razões, um preceito ainda por invalidar mesmo já tendo passado o romantismo por cima de nós.

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