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Delito de Opinião

Os filmes das nossas vidas (3)

Jorge Assunção, 22.04.09

 

DO CÉU CAIU UMA ESTRELA: UM FILME INTEMPORAL

 

A segunda guerra mundial acabara no ano anterior, Frank Capra, que tinha passado os últimos anos a filmar quase em regime exclusivo filmes sobre a guerra, não encontrava grande apoio da indústria americana para a rodagem dos seus novos projectos e James Stewart, tendo participado na guerra como elemento da força aérea norte-americana, estava há mais de cinco anos sem participar num filme. Capra acabou por criar uma produtora sua para a rodagem do filme e Stewart, inicialmente relutante, acabou por aceitar retomar a sua carreira neste Do céu caiu uma estrela. O filme ainda foi nomeado para os óscares, mas não ganhou nenhum. A produtora de Capra foi à falência e Stewart interrogou-se sobre se o seu talento de actor havia desaparecido com a guerra. Contudo, este foi só mais um filme que não teve o reconhecimento merecido no imediato, mas cujo teste do tempo tratou de elevar à condição de obra-prima do cinema internacional. Enquanto referência, transversal a todas as gerações americanas que se lhe seguiram, transformou-se em presença obrigatória nas transmissões televisivas em período natalício.

O filme é hoje considerado pelo American Film Institute um dos 100 melhores de todos os tempos e na listagem do mesmo instituto para o filme mais inspirador de sempre, surge no destacadíssimo primeiro lugar. Reconheço a minha alergia a listas do género, mas no caso em questão a minha opinião pessoal coincide. Além do mais, este fazia parte do famoso pacote de 25 filmes que Barack Obama decidiu oferecer a Gordon Brown.

 

O filme é intemporal porque lida com temas recorrentes no ser humano: os sonhos, a amizade, o amor, a esperança. Traça uma linha clara entre o bem e o mal que perpassa o coração humano. É também um filme sobre o nosso crescimento pessoal, sobre o percurso e as escolhas que fazemos na vida e como estas influenciam aquilo em que nos tornamos. Mais do que isso, como aquilo que fazemos influencia a vida dos outros para o bem ou para o mal. Há quem diga que é excessivamente moralista, eu acho que sendo certo que Capra reproduz um modelo simplificado da realidade, exagera na caricatura, com isso também reforça a conclusão final. George Bailey (James Stewart) pode não existir na vida real, mas enquanto símbolo representa aquilo a que cada um de nós devia almejar. No banqueiro Henry Potter (Lionel Barrymore, na figura à direita) encontramos o némesis da personagem de Stewart. O banqueiro sem ética, nem moral (vêem como é apropriado aos tempos que correm), cuja única preocupação é servir-se da comunidade em proveito próprio.

 

George Bailey era um homem com sonhos, cujos acontecimentos da vida trataram de desfazer. A dada altura a desilusão é tão grande que ele pensa em "abdicar da maior dádiva de Deus". Mas, por intervenção divina, um "anjo de segunda classe" é enviado em seu auxilio, um anjo que lhe dará a "oportunidade de ver como o mundo seria sem" ele. Bailey depressa descobre que aquela cidade de onde sempre sonhou sair transformara-se num pesadelo. A Bedford Falls que ajudara a criar era agora Pottersville (em honra do banqueiro sem ética, nem moral); os membros da comunidade dos quais Bailey havia conseguido extrair o melhor que tinham para dar, eram amostras medíocres em relação à outra existência, como que com os defeitos maximizados e as virtudes escondidas; pior que tudo, Bailey encontra-se com a sua amada Mary (Donna Reed), aquela que em criança havia prometido amá-lo até ao dia em que morresse, e, não fosse o amor de ambos coisa do destino, esta era uma solteirona bibliotecária, uma sombra daquela a quem Bailey havia prometido entregar a lua caso fosse seu desejo. Afinal, George Bailey finalmente percebe, não era o sonho de criança que realizara, mas nem por isso deixava de viver uma vida de sonho.

Já vi o filme algumas vezes e em todas elas não consigo deixar de me emocionar na cena final. Nesta, Harry Bailey (Todd Karns), o irmão que regressava da segunda guerra mundial como herói, brinda "ao homem mais rico da cidade!". Não é a dinheiro que se refere, mas àquele tipo de riqueza que o dinheiro não pode comprar. Um filme para os tempos que correm, para todo o sempre.


2 comentários

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    Jorge Assunção 23.04.2009

    "Um pormenor que os cineastas de hoje em dia deixam escapar vezes sem conta. a coerência narrativa."

    Exactamente. E fosse só esse o pormenor que os cineastas de hoje em dia deixam escapar...
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