Pingo Doce, amargos complexos
Subscrevo em geral esta opinião do José Gomes André, salientando que "o timing das promoções foi oportunista e provocador". Claro que foi. Um braço-de-ferro que a Jerónimo Martins ganhou aos sindicatos, em toda a linha. Podia ter feito esta promoção em qualquer outro feriado ou Domingo (desde que no final do mês, para garantir algum poder de compra), mas a escolha do 1º de Maio foi intencional e pouco limpa. Mas... what else is new, no mundo dos negócios? Assistimos a um combate de tubarões pelo controle das massas, e o povo, aparentemente, escolheu qual quer que seja his master's voice. Vejo muita indignação com a forma como as pessoas "foram tratadas" e nada sobre a forma como as pessoas "se comportaram". Ao contrário do que se diz por aí, não foram os famintos quem correu para as lojas do Pingo Doce. Foram aqueles que ainda podem dispor de mais de cem euros, de uma só vez, para gastar em compras de supermercado. E esse comportamento é recorrente nos consumidores de todos os países em que estas campanhas acontecem. Mas nós, portugueses, com a nossa habitual mania da auto-flagelação, achamos que somos os únicos a ser manipulados por sinistras forças que nos "obrigam" a reacções terceiro-mundistas, esquecendo que no terceiro mundo não há sequer pingos doces, só amargos.
Lembro-me de uma reportagem sobre uma campanha do género num centro comercial australiano, cuja data foi programada para o Natal. Houve gente de todo o país que viajou dias antes - e que por isso perdeu o Natal em família - e se instalou num hotel em frente do tal centro comercial só para estar "a postos" para apanhar a hora de abertura. O espectáculo do abrir de portas era impressionante, uma multidão que parecia correr para salvar a vida entre filas de polícias armados. O que pouparam nos saldos não deve ter chegado para cobrir os gastos de viagem e hotel. Outro caso falado ocorreu, creio que na Polónia, na abertura de um hipermercado que foi literalmente destruído em pouco tempo por uma multidão enfurecida, cega pelos preços mais baixos. E há muitos outros casos relatados, inclusivamente nos países ricos como a Alemanha ou a Inglaterra. O fenómeno não é novo e está estudado à exaustão, por isso é bem aproveitado pela sociedade de consumo que construímos. O terceiro mundo, esse sim, passa fome e não tem nem ideia do que são fraldas descartáveis, a não ser que lhe sejam dadas por uma qualquer ONG.