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Aquele Portas do Passos Manuel é o pior deles todos, avisou o controleiro.
E lá fomos preparados então para o pior, a pé, obviamente em manifestação. Devia ser Outono, era no final de 74 de certeza e o nosso objetivo revolucionário consistia em ganhar as eleições do MAESL na reunião geral do ensino secundário de Lisboa a realizar a meio da tarde de aulas no pavilhão da cidade universitária.
Lista A a nossa, a única coerente e popular. Lista B dos NEIP do Nery, insidiosamente inteligentes, intelectuais mesmo. Lista C de uma qualquer das milhentas facções que dividiam os 10 trotskistas de Lisboa. Lista D a do Portas, o rei dos revisionistas, ou social-fascistas como berravam os MRPPs à porta, porque nunca participavam em nada que não fosse a revolução socialista aqui e agora e já.
Inicia-se a reunião em sala tumultuosa, cada um colocando as suas peças em lugar estratégico para o caso de haver molho. E houve, e a culpa foi do Portas. Ia-se votar uma moção – votava-se tanto e tão de braço no ar a fazer peito – e o Portas pergunta à magna assembleia:
“Quem é que não está em desacordo com esta proposta?”
Levantou-se uma tremenda surriada, provocador!, golpista!, revisionista!, insultos assim dos piores, e a páginas tantas já está ali um foco de confusão. O Nery ainda grita “calma! Calma!” mas alea jacta est. Ferveu tabefe em todas as direcções, a mim calhou-me o braço ir em direção à incipiente calva do Portas. O gajo vira-se e volta-se – vai responder. Um trotska, os empatas do costume, interpõe-se sem querer e a cena morre como começa. O Portas olha-me de lado com cara de que haverá próxima – não houve.
Foi preciso passar muito tempo para perceber que nós éramos assim porque os nossos pais nos deixaram. Ofereceram-nos o presente liberdade e nós soubemos abusar dela, tal como devia ser, incorrendo em toda a sorte de tropelias idealistas. Na verdade, descobrimos depois, fizemos tudo aquilo que os nossos velhos desejariam ter feito quando tiveram o nosso tempo, que para eles fora negro e triste – quem não seja disparatado aos 15 será enfadonho aos 30. O mundo era nosso e já amanhã. Foi quase.