Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Douce France

José Navarro de Andrade, 24.04.12

Se a psicanálise ainda estivesse viva as eleições francesas seriam o ponto de rebuçado da catarse política. O que nunca falha é elas conseguirem libertar dois tipos de recalcamentos psíquicos que poderiam ser identificados como o “síndrome Maria Antonieta” e o “complexo salazar”, assim denominados em honra dos seus promotores.

Ainda hoje está por esclarecer se a boutade da princesa austríaca foi jocosa ou mero reflexo da estupidez aristocrática. Ao sugerir brioches a quem reclamava pão, é bem possível que a surpresa dela fosse legítima, vinda de alguém que nunca pisara além dos muros palacianos e simplesmente ignorava qualquer espécie de condição humana que não fosse a dela, a das suas damas de companhia, a dos cavalheiros que as acompanhavam e a dos seus caniches. Viver entre quatro paredes a ler livros pode dar nisto.

Temos então em 2012 Sarkozy o bobo, o populista, o consumado relapso, o patente crápula, o desqualificado aos olhos das mentes mais ilustradas entre a Finisterra e os Urais, o prematuro derrotado, e ei-lo muito pimpão a meio caminho de regressar ao Eliseu. Como pôde o povo escolher tal côdea dura, quando dispunha do tenro brioche Hollande? Como sucedeu tamanho ultraje à inteligência? Só pode ter sido por obra do demo ou do direito universal de voto, o qual como se sabe, equipara a escolha dos parvos à dos ensinados.

Entra em cena Salazar pela direita baixa: será que os franceses não estarão preparados para a democracia? Porque se estivessem outro coq cantaria.

Vá lá que desta vez não houve indícios de hecatombe como em 2002 (Jospin dehors, 2ª volta entre a direita-direita de Chirac e a extrema-direita de Le Pen, pai). Mas ainda assim não faltarão vestais para rasgar as vestes, dado que a loura burra não desmobiliza a votação do zarolho. A imoralidade tomou conta da França, dirão em último recurso, porque é sempre nessa instância que o discurso político resvala para a moralidade. Mas a pergunta que os patrícios da política se resguardam de enfrentar é bem simples: porque razão votam assim os franceses? Ou outra ainda mais comichosa: que cegueira ataca quem faz vida a discorrer sobre política, que não lhe permite compreender resultados historicamente tão consistentes?

Ou será que excepto a realidade está tudo mal? (Mas esta agora é mais complicada).

 

3 comentários

Comentar post