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Delito de Opinião

Cadáver esquisito (10)

José António Abreu, 23.04.12

1. UM LIVRO, 2. CA...... SARKIS G........N, 3. OLHOS, 4. ESCAVAR, 5. IN VINO VERITAS, 6. TO THE LEFT, AS PERNAS DE STELLA, 7. O MEDALHÃO, 8. O SEGREDO9. LABIRINTOS

10

FRAGMENTOS DE HISTÓRIA

 

– Entre, por favor. Sente-se.

João Cosme puxou uma cadeira para a inspectora enquanto Eduardo continuava a tentar lembrar-se de onde é que a conhecia. Acabou por decidir que tinha de ser da televisão. Devia lembrar-lhe Catarina Furtado naquela série policial da RTP.

– A que devemos a sua presença? – perguntou. Estava satisfeito por ter chegado a uma conclusão e ligeiramente excitado pela descoberta de que também na vida real há mulheres-polícia atraentes.

Helena Portas ignorou a cadeira e olhou em volta, avaliando o grupo.

– Moram todos aqui? – perguntou.

– Não – respondeu o professor José Augusto. – Nem eu nem a menina Stella aqui residimos.

A inspectora pareceu hesitar. Eduardo insistiu:

– A que devemos a visita da Judiciária?

– Estamos a investigar um assassínio.

No silêncio que se seguiu, o ruído de Valerya pousando a cafeteira sobre o fogão pareceu excessivo.

– Quem é que foi morto? – perguntou Eduardo.

Mas Helena Portas observava as costas de Valerya. Quando falou, fez à pergunta de Eduardo o que fizera à cadeira de João Cosme – ignorou-a.

– Segundo creio, várias das pessoas aqui presentes têm ligações à propriedade conhecida por Os Freixos, não é verdade? Algumas até lá moravam na altura em que foi destruída por um incêndio…

O olhar de João Cosme cruzou-se com o de Eduardo. Perguntou, brusco: – E o que é que isso tem a ver com o assassinato? Descobriram lá algum cadáver? Toda a gente sabe que na altura...

– Toma café, senhora inspectora? – perguntou Valerya.

A intervenção pareceu sobressaltar Helena Portas. – Não, obrigada. – Voltou a prestar atenção a João Cosme: – Dizia…

Mas Stella antecipou-se a Cosme:

– Senhora inspectora, eu não tenho nada a ver com este assunto. Posso ir-me embora?

– Deixe-se estar. Talvez ainda possa ajudar.

– Não, eu...

– Deixe-se estar.

Stella fez beicinho mas remeteu-se ao silêncio. De súbito, a inspectora reparou no livro, pousado em cima da mesa.

– Posso? – Sem esperar resposta, pegou-lhe e abriu-o. Houve um lampejo de reconhecimento nos seus olhos. – De quem é este livro?

– Apareceu cá em casa – explicou João Cosme. – O professor diz que deve ter pertencido a Calouste Gulbenkian.

– Não sabem quem o trouxe?

– Não – respondeu Cosme, enquanto Valerya se voltava de novo para o fogão.

Helena Portas mordeu o lábio inferior, levando Eduardo a pensar que talvez não fosse por causa das parecenças com Catarina Furtado que ele julgava conhecê-la.

– Como deverão saber, Calouste Gulbenkian era arménio. Já ouviram falar no genocídio arménio, ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial?

Só o professor José Augusto reagiu de forma clara:

– Com certeza. Mas o que é isso tem a ver connosco?

– Talvez nada. Mas o corpo que descobrimos… enfim, parece ser estrangeiro. E há histórias dessa época muito interessantes. Por exemplo, sabiam que quando Ataturk subiu ao poder na Turquia, em 1922, o último sultão do império otomano, Mehmet Sexto, fugiu para Malta levando com ele uma rapariga de dezoito anos? Ele já tinha mais de sessenta. Fê-lo contra a vontade dela, contra a vontade do pai dela, que fora jardineiro no palácio, e contra a vontade do noivo dela, um capitão da marinha.

João Cosme estava impaciente. Repetiu a pergunta do professor:

– Mas o que é que isso tem a ver connosco?

Helena Portas esboçou um sorriso.

– Nada, certamente. É apenas uma história curiosa. – Voltou a baixar os olhos para o livro. – Como curiosa é esta data: 1942.

– Porquê? – admirou-se o professor José Augusto. – Foi o ano em que Gulbenkian chegou a Portugal.

– É verdade. Em que alegadamente ficou doente e teve de permanecer cá mais tempo do que o previsto.

– Alegadamente? – estranhou Eduardo.

Helena Portas ignorou-o.

– Não é tanto a data em si que é curiosa mas o facto de estar neste livro. A primeira edição de Wise Blood ocorreu na década de cinquenta. – Rodou, ficando de frente para as costas de Valerya. – Diga-me uma coisa, por favor: em que ano nasceu?

 

(Este é o décimo capítulo do nosso 'cadáver esquisito', explicado aqui. A próxima mão a embalar o cadáver é a do José Gomes André.)

2 comentários

  • Oh, ela já o teria arquivado há bué, pm. Ou não - mas os resultados práticos seriam os mesmos.
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