Kirchner e a nacionalização da YPF
A decisão de Cristina Kirchner de nacionalizar a YPF, controlada pela espanhola Repsol, coloca ao comentador um dilema sem solução. Tomar partido quando estão em disputa os interesses do mais básico populismo, por um lado, e os de uma petrolífera, por outro, apresenta o mesmo grau de dificuldade que enfrentaria qualquer mortal se tivesse que optar entre regiões diferentes do inferno. Assim, mais do que tomar posição sobre a medida, vale a pena sublinhar alguns aspectos de contexto. O Kirchnerismo defronta-se com a perspectiva de implosão do modelo económico que promoveu. A Argentina tem assegurado uma posição sólida na primeira metade da tabela dos estados com risco mais elevado de bancarrota. Kirchner sabe que o caminho escolhido é insustentável. Confronta-se assim com uma escolha: ou altera a política, ou fecha os olhos e acelera. Kirchner é política. E um político só obedece a duas leis: a da lógica de curto prazo e a da escalada de compromisso (tendência para insistir em soluções que sabemos inviáveis só porque as defendemos em determinado momento). Kirchner atirou-se de cabeça. Com a nacionalização obtém um instrumento adicional, que se junta à subsidiação dos preços ou ao crédito a taxas negativas, para suportar artificialmente o boomdo consumo e a ilusão do bem-estar . Que a decisão tenha sido tomada apesar de todas as suas consequências (perda de confiança de investidores e outros desastres) diz bem do estado de desespero de Kirchner. Pelo visto, para controlar a situação já não é suficiente dar ordem de prisão a quem questiona os dados oficiais da inflação. Neste contexto, faz cada vez mais sentido uma definição de Kirchnerismo que circula em Buenos Aires: "com Peron cantávamos combatiendo el capital, embora fizéssemos coisa bem diferente; com Menem o refrão foi seduzir o capital; com Kirchner já nem sequer cantamos". A pergunta que fica é se, apesar de tudo isto, a nacionalização vai dar bons resultados. Não vai. Se dúvidas houvesse, bastaria ter em conta o desastre de gestão das Aerolineas Argentinas, cujo controlo foi também assumido pelo estado, para perceber como tudo vai acabar. O problema? O problema é que do outro lado de Kirchner está uma petrolífera. E este comentador não tem especial preferência por encarnações terrenas do demo. Da mesma maneira que tem dificuldade em ser definitivo quando as alternativas às nacionalizações se reconduzem à venda de activos aos chineses.

