Cadáver esquisito (9)
1. UM LIVRO, 2. CA...... SARKIS G........N, 3. OLHOS, 4. ESCAVAR, 5. IN VINO VERITAS, 6. TO THE LEFT, AS PERNAS DE STELLA, 7. O MEDALHÃO, 8. O SEGREDO
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LABIRINTOS
Um nome, dizem crenças antigas, pode ser novelo de feiticeira em que se aprisiona ou comanda uma vida, máscara e abrigo. Espelho até, diz-me como te chamas e dir-te-ei por onde irás.
Valeriya, subitamente trazida até à claridade mágica de um nome que há muito a não procurava, emergia grave, quase solene, do casulo nocturno a que fora arrancada para a inesperada metamorfose que as palavras de José Augusto tinham precipitado.
- Quem?! – repetiu João Cosme, olhando alternadamente para ela e para José Augusto que parecia agora uma criança que, desastradamente, fez cair com estrondo um pote de faiança no chão da cozinha.
- Desculpe… eu… não sei…
- Você é um bom homem, José Augusto – disse ela de voz já diferente – e um bom homem é difícil de encontrar.
Eduardo impacientou-se. Os títulos de Flannery O’Connor pareciam um código cujo entendimento lhe estava negado. Tomavam-no por simples, bem sabia e convinha-lhe, desde há muito, que assim o fosse. Os acontecimentos, todavia, tinham tomado o freio nos dentes e decidiu que não, não ficaria de fora. Wise Blood, também ele o tinha e era agora ou nunca. João Cosme que saísse sozinho daquele labirinto.
- Bem – tomou o medalhão de cima da mesa e olhou a fotografia esmaecida – um medalhão de São Rafael Arcanjo… encontros felizes, talvez… e este, como é que é mesmo… este Alexander, quem é? Valeriya?
Ela deu meia dúzia de passos em direcção à janela e parou. Ficou uns minutos em silêncio e virou-se, depois, para aquele grupo imóvel. Parecia uma fotografia antiga, daquelas em que ninguém sorri para a câmara num temor reverencial de que lhes levem a alma no clarão do flash.
- Sentem-se. Vou fazer café.
A azáfama habitual dos gestos dela transmutava-se numa coreografia lenta em direcção aos objectos, as mãos passavam sobre as coisas, estranhamente alongadas, mãos antigas vistas à renovada luz do dia que começava.
A campainha da porta tocou. Uma vez e outra.
- Stella, would you mind?
E Stella voltou, atarantada. Uma inspectora da Judiciária, pelo menos era o que tinha percebido.
- Para quê? Para quem?
Eduardo olhou a rapariga de andar eficaz que entrou na cozinha. Parecia-lhe familiar mas, naquele momento, até as coisas mais bizarras lhe pareceriam familiares.
Deu uns bons dias afáveis e mostrou a identificação:
- Portas. Helena Portas.
(Este é o nono capítulo do nosso 'cadáver esquisito', explicado aqui. A próxima mão a embalar o cadáver é do jaa.)