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Delito de Opinião

Cadáver esquisito (9)

Ivone Mendes da Silva, 16.04.12

1. UM LIVRO, 2. CA...... SARKIS G........N, 3. OLHOS, 4. ESCAVAR, 5. IN VINO VERITAS, 6. TO THE LEFT, AS PERNAS DE STELLA, 7. O MEDALHÃO, 8. O SEGREDO

9

LABIRINTOS

 

Um nome, dizem crenças antigas, pode ser novelo de feiticeira em que se aprisiona ou comanda uma vida, máscara e abrigo. Espelho até, diz-me como te chamas e dir-te-ei por onde irás.

Valeriya, subitamente trazida até à claridade mágica de um nome que há muito a não procurava, emergia grave, quase solene, do casulo nocturno a que fora arrancada para a inesperada metamorfose que as palavras de José Augusto tinham precipitado.

- Quem?! – repetiu João Cosme, olhando alternadamente para ela e para José Augusto que parecia agora uma criança que, desastradamente, fez cair com estrondo um pote de faiança no chão da cozinha.

- Desculpe… eu… não sei…

- Você é um bom homem, José Augusto – disse ela de voz já diferente – e um bom homem é difícil de encontrar.

Eduardo impacientou-se. Os títulos de Flannery O’Connor pareciam um código cujo entendimento lhe estava negado. Tomavam-no por simples, bem sabia e convinha-lhe, desde há muito, que assim o fosse. Os acontecimentos, todavia, tinham tomado o freio nos dentes e decidiu que não, não ficaria de fora. Wise Blood, também ele o tinha e era agora ou nunca. João Cosme que saísse sozinho daquele labirinto.

- Bem – tomou o medalhão de cima da mesa e olhou a fotografia esmaecida – um medalhão de São Rafael Arcanjo… encontros felizes, talvez… e este, como é que é mesmo… este Alexander, quem é? Valeriya?

Ela deu meia dúzia de passos em direcção à janela e parou. Ficou uns minutos em silêncio e virou-se, depois, para aquele grupo imóvel. Parecia uma fotografia antiga, daquelas em que ninguém sorri para a câmara num temor reverencial de que lhes levem a alma no clarão do flash.

- Sentem-se. Vou fazer café.

A azáfama habitual dos gestos dela transmutava-se numa coreografia lenta em direcção aos objectos,  as  mãos passavam sobre as coisas, estranhamente alongadas, mãos antigas vistas à renovada luz do dia que começava.

A campainha da porta tocou. Uma vez e outra.

- Stella, would you mind?

E Stella voltou, atarantada. Uma inspectora da Judiciária, pelo menos era o que tinha percebido.

- Para quê? Para quem?

Eduardo olhou a rapariga de andar eficaz que entrou na cozinha. Parecia-lhe familiar mas, naquele momento, até as coisas mais bizarras lhe pareceriam familiares.

Deu uns bons dias afáveis e mostrou a identificação:

- Portas. Helena Portas.

 

(Este é o nono capítulo do nosso 'cadáver esquisito', explicado aqui. A próxima mão a embalar o cadáver é do jaa.)

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