D. Juan Carlos Alfonso Víctor Maria de Borbón y Borbón-Dos Sicilias andava a reinar
A Espanha atravessa uma profundíssima crise. O desemprego afecta cinco milhões e meio de pessoas. Mais de 50% dos jovens estão desempregados. Os juros da dívida pública testam o limiar dos 6%, aproximando-se da fasquia Seven Up celebrizada por Teixeira dos Santos. O governo Rajoy corta na saúde, na educação e no apoio social num país deixado em pantanas por Zapatero. A bolha da construção estourou, as insolvências sucedem-se. As autonomias estão falidas e a banca, com as Caixas à cabeça, está descapitalizada. No catálogo dos argumentos da causa monárquica há dois aspectos que são sempre referidos: i) o Rei está sempre ao lado do seu povo; ii) o poder do Rei é independente de quaisquer outros poderes e imparcial perante todos eles, o que lhe confere uma especial e única autoridade. Pois bem, num cenário de catástrofe iminente, em que o seu povo enfrenta grandes dificuldades, o que faz o Rei de Espanha? É muito simples. Consternado com o sofrimento dos seus súbditos, entendeu que a melhor forma de estar junto deles seria fazer uma caçada no Botswana. Independente como é, decidiu exercer a sua autoridade dando uns tiros nuns elefantes. Referir que uma caçada de elefantes no Botswana tem o custo mínimo de 30.000 euros, a que acrescem certamente muitas outras despesas que fazem disparar o "investimento" para umas dezenas largas de milhares euros, é só sublinhar uma parte da anedota. Esta só fica completa se tivermos em conta que o acidente sofrido por D. Juan Carlos ocorreu em 14 de Abril, data que assinala a instauração em Espanha da 2ª República (1931). A questão essencial é, porém, outra: o que sucederia a um Chefe de Estado republicano se o seu genro estivesse envolvido em gravíssimos esquemas de corrupção como sucede com IñaKi Urdangarin e se, perante uma situação interna de extrema gravidade, entendesse tirar umas semanas de férias para se dedicar à caça grossa? Não, não devemos julgar os sistemas políticos a partir de anedotas ou episódios. Mas, são as caricaturas que, por vezes, nos permitem perceber melhor os contornos da realidade. E esta diz que a monarquia tem natureza pré-democrática e que assenta numa ideia de pré-determinação e de hereditariedade estranha a qualquer ideal de igualdade. Entretanto, o Rei de Espanha pode continuar a reinar.