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Delito de Opinião

Estranhos lugares # 1

José Navarro de Andrade, 11.04.12

O que é longe?

Um carmelita fecha-se para o mundo na sua cela. Mas bastar-lhe-á correr um par de ferrolhos e eis o mundo de novo à volta dele. Longe como sem igual em mais lugar nenhum, é em Edinburgh of the Seven Seas, onde chove quase sempre e o vento nunca se cala. O casario foi implantado de porta virada aos suaves alísios que sopram de norte ao passo que nas costas bate-lhe a sombra do pico Queen Mary, tão alto como a Serra da Estrela, a defendê-lo das investidas dos frios antárticos.

Em todo o planeta, não há lugar habitado mais remoto do que este. E tão longe está sobretudo porque dele não há saída.

O que será viver na ilha de Tristão da Cunha? A massa de terra mais próxima é a famosa ilha de St. Helena, que dista a bagatela de 2430 km (equivalente a Lisboa-Budapeste). Mas só se chega a Tristão da Cunha provindo de barco da Cidade do Cabo; são seis dias de mar para percorrer 2810 km (Lx-Oslo). O barco só passa por lá um par de vezes ao ano. A ilha fica de fora de todas as rotas marítimas e aéreas e lá em cima na estratosfera mal lhe tocam as franjas do perímetro de alcance dos satélites. O profundo Sul do Atlântico é a maior vastidão desértica da Terra, com troços ainda por cartografar.

 

Tristão da Cunha tem 261 habitantes que constituem oitenta famílias distribuídas por oito apelidos. São súbditos ingleses e nas fotos do site fazem cara de quem tem um modo de vida vulgar, como se habitassem no Hampshire. Todavia não sabemos nada da vida deles, se vivem na pitoresca harmonia de uma aldeia inglesa ou se medram no horror, aqui ampliado, da intriga e da bisbilhotice que costumam assolar as pequenas comunidades humanas. Nenhum forasteiro pode comprar terra ou mesmo instalar-se na ilha e para visitá-la necessita de visto, só obtido depois de respondido e aprovado em conselho local um minucioso inquérito sobre o motivo da viagem.

 

O conceito de “não há nada que fazer” ganha aqui uma dimensão inusitada. Nas terras comunitárias todos têm um torrão onde cultivar batatas; há algum gado mas a sua reprodução é severamente controlada para não desbastar o pouco pasto e para que as famílias ligeiramente mais ricas não acumulem riqueza. Fora isso pode-se trabalhar alguns meses ao ano na pesca do lavagante e na minúscula fábrica de conserva de peixe.

Só em 2011 os aldeões de Edinburgh of the Seven Seas passaram a ter acesso à televisão do exército britânico, emitida a partir das Falklands.

Ondas e vento, dia após dia, após dia. Meses. Anos. A solidão não se imagina, sente-se, porque experimentá-la está para lá de qualquer ideia. Assim é a vida em Tristão da Cunha.

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