Tabaqueando o assunto
Eduardo Pitta diz que "ninguém vai piar" quanto às novas medidas contra o tabaco que este Governo vai tomar. O post, claro, é aparentemente dirigido a "jornalistas e bloggers que hoje são secretários de Estado, adjuntos e assessores de gabinetes ministeriais e dos grupos parlamentares do PSD e CDS-PP". Uma vez que o assunto me interessa especialmente, vou piar um bocadinho sobre o assunto (e não será a última vez), ainda que não encaixe nas categorias acima descritas.
A avançarem as medidas mencionadas, este Governo estará de facto - e tal como o anterior - a avançar por um caminho arbitrário, totalitário, de intromissão intolerável na liberdade dos cidadãos - tal como o anterior o foi. Por partes:
1. Acabar com as máquinas automáticas de venda de tabaco. Disparate - se nos cafés e nos restaurantes o tabaco se voltar a vender "em mão", nem por isso deixa de ser mais difícil para os miúdos arranjarem tabaco (se o objectivo for esse). De resto, quem quiser realmente fumar continua a procurar tabaco - e, em último caso, há sempre o contrabando (que tem a vantagem de provavelmente ser mais barato). Se é possível comprar haxixe em plena Rua Augusta durante a tarde, não há-de ser muito difícil comprar um volume de Marlboro algures.
2. Estabelecer a proibição de fumar à porta de restaurantes, bares e cafés. Esta medida é hilariante, pois parte do pressuposto que o espaço em frente a um restaurante, bar ou café - um passeio, ou mesmo uma estrada - é propriedade do respectivo restaurante, bar ou café. Então não é permitido estar parado à porta e fumar? OK. E passar à porta a fumar, pode-se? Ou tem de mudar de passeio? E se eu sair do restaurante e, enquanto fumo, fizer repetidamente um percurso pendular de 50 metros para cada lado da porta, posso?
3. Acabar com o regime misto actualmente em vigor (o proprietário decide). Esta parece-me ser a medida mais grave destas três (a primeira é quase irrelevante, a segunda é anedota). Quando a nova lei do tabaco entrou em vigor em 2008, vários foram os estabelecimentos que investiram quantias avultadas na instalação de sistemas de extracção de fumo que lhes permitissem manter os seus espaços para fumadores - apesar de, na altura, o Governo ter dado poucas ou nenhumas especificações sobre a qualidade do ar, o que resultou numa bela confusão, como aliás acontece em tudo onde o Estado enfia o nariz. Não estamos aqui a falar dos cafés da moda, das discotecas mais badaladas, ou dos restaurantes que aparecem semanalmente na TimeOut. Na minha rua, para dar um exemplo, existe uma tasquinha de bairro completamente equipada com sistemas de extracção de fumo - é o único sítio nas redondezas onde se pode ver o Benfica e fumar um cigarro. O proprietário fez um grande investimento há apenas quatro anos para ajustar o seu negócio ao seu interesse. Agora, vem o Estado dizer-lhe que os vários milhares de euros que gastou ficam sem efeito. Isto é mais do que vergonhoso - é merecedor de bengaladas no lombo. Para entrar no espírito da lei de Godwin, é uma medida absolutamente nazi, bem dentro do espírito nazi-higienista que anima os cinzentos burocratas do presente. Em bom português, puta que os pariu a todos.
Enfim, mas é o tabaco - a desculpa (esfarrapada) da saúde pública perdoa muita coisa a muita gente (que não vai gostar nada quando a ofensiva chegar ao vinho, ao café, à carne vermelha). Quem vai perder com isto vai ser, justamente a tasquinha lá do bairro. Não vale a pena frequentá-la com a mesma regularidade quando for proibido fumar naquele espaço - o Benfica posso ver em casa, e, de resto, sai mais barato fazer café em casa, tal como comprar minis ou whisky no supermercado. E sempre se pode fumar à vontade (pelo menos por enquanto - há-de chegar o dia).
Sobre o mesmo tema, leituras recomendadas: o José Meireles Graça e o Ricardo Lima.