Onde estão os defensores do acordo?
Francisco José Viegas assumiu a posição razoável que dele se esperava, confirmando estar atento aos ecos da opinião pública: não existe qualquer motivo para impor de imediato o impropriamente chamado "acordo ortográfico" (AO), que propõe como alternativas à norma clássica da ortografia portuguesa diversas alterações que têm sido sugeridas pela generalidade da comunidade científica e pelos mais qualificados utilizadores do idioma, incluindo escritores, jornalistas e colunistas da imprensa - de Portugal e não só. Nos próprios órgãos de informação que adoptaram (devia ter escrito adotaram, neste caso) o AO não faltam objectores de consciência que recusam abastardar o idioma escrevendo - por exemplo - "espetador" em vez de espectador, "receção" em vez de recepção, "perentório" em vez de peremptório, "suntuoso" em vez de sumptuoso ou "rutura" em vez de rotura ou ruptura.
'Norma' sem sanção, incapaz de motivar qualquer acção disciplinar contra quem se recuse a segui-la (invocando uma louvável desobediência civil contra aquilo que muitos consideram um delito de lesa-cultura, o AO foi adoptado (adotado?) contrariando o seu próprio articulado, designadamente na parte em que se prometia (até 1993!) a elaboração de um "vocabulário da língua portuguesa", que nunca viu a luz do dia, e na que fazia depender a sua aprovação da prévia ratificação pela totalidade dos países de língua oficial portuguesa, o que ficou igualmente por cumprir.
O anunciado - e inatingível, além de indesejável - propósito de "unificar" a ortografia não se concretiza, desde logo devido ao facto de dois dos mais importantes países lusófonos, Angola e Moçambique, continuarem sem ratificar o referido AO. Numa prova evidente de que o "acordo", em vez de aproximar, afasta.
O mais chocante em tudo isto é verificar como a clara maioria dos especialistas do idioma - lexicógrafos, filólogos, professores universitários, escritores - rejeita o documento, que nunca devia ter ficado nas mãos dos políticos mas apenas da comunidade científica pois só ela está preparada para sugerir com fundamento alterações neste domínio.
E, já que refiro o tema, apetece-me perguntar: onde estão afinal os defensores do AO? Todos os dias surgem na imprensa portuguesa - e até na angolana, moçambicana, macaense ou mesmo brasileira - opiniões abalizadas com criticas demolidoras ao "acordo", mas não tenho encontrado quem dê a cara e o nome por ele. Os seus apoiantes parecem ter-se eclipsado. O que é um sinal acrescido de que se torna urgente a sua reavalização: o primeiro passo é suspendê-lo. Para evitar que a aberração continue a fazer lei em escolas, repartições públicas e redacções de jornais, contra a opinião dominante de professores e jornalistas, vários dos quais se declaram justamente objectores de consciência recusando o carácter normativo do "acordo", e em particular das suas cláusulas "modificativas", impensáveis em qualquer outra língua culta contemporânea.