Este país não é para livros
Faz uns meses, fui à livraria de uma grande superfície sita a dois passos de minha casa para comprar Um mundo iluminado de Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly. Queria oferecê-lo para comemorar efeméride cuja data já passara e daí a pressa. Não tenho o hábito de fazer lá compras, prefiro a pequena e antiga Gil Pais, no centro de Torres Novas, onde digo o título e mo põem nas mãos em segundos. Se não houver, mandam vir e é rápido.
Entrei, pois, na referida livraria e dirigi-me ao local onde vira a obra numa anterior passagem. Pensei que, não estando na prateleira dos destaques, o local indicado seria a estante da temática respectiva. Procurei, procurei e nada. Procurei também uma funcionária. Andavam por lá duas ou três com um ar azafamado que se transformou num ar enfadado quando perguntei pela obra a uma delas:
- Isso é sobre o quê?
Há caras que não enganam. Decidi que seria melhor dizer que não o encontrava na estante onde repousavam os livros de temática congénere.
- Ah! E viu bem?
- Sim, tenho o hábito de ver bem, não quero é estar a desarrumar tudo, há livros por detrás de livros …
Respirou fundo:
- Vou ver.
Viu, remexeu, viu. Nada. Já andava pela zona dos livros de Gestão, quando lhe travei as manobras.
- Desculpe, não têm uma base de dados onde possam verificar as existências?
- Base?
-Sim. Por exemplo: um computadorzinho onde possa escrever o título e obter a informação. Ou há ou não há.
Passou outra empregada:
- Algum problema?
- Esta senhora queria um livro.
- E sabe o título?
Se eu não lhe dei um par de estalos ali mesmo, é porque nunca na vida baterei em alguém.
- Claro que sei.
Deve ter sido qualquer coisa no meu olhar (não faço ideia do quê …) que fez a segunda empregada caminhar em direcção ao computador.
- Como é o título?
Procurou.
- Sabe como é capa? Veja lá se é este?
Sim, eu sabia. Sim, era aquele.
- Há dois!
- Óptimo. Basta-me um.
Não deu sinais de se querer mexer. Chegou a terceira empregada. As pontas dos meus cabelos deviam estar a ficar verdes e as unhas tinham pensamentos nefastos.
- Esta senhora queria este livro.
- Já procuraram?
- Não há nenhum aqui em cima.
- Então deve estar lá em baixo.
Ninguém se mexeu para ir lá abaixo. Perguntei:
- Não estou a perceber uma coisa: há pouco tempo o livro estava ali em destaque. Neste momento há dois exemplares lá em baixo, seja lá isso o que for…
- Sim, ainda não vieram para cima.
- Desculpe, qual é a vossa política de reposição de livros nas estantes?
- Política??
- Pronto, não se incomodem mais. Eu vou comprá-lo a um sítio onde vendam livros.
Saí porta fora perante a mais completa indiferença daquelas duas pessoas. Quinze minutos depois, saí novamente. Desta vez da Gil Pais, com livro, embrulho e lacinho.
Lembrei-me disto há pouco, quando vi na SIC a Livraria Portugal a fechar. Sei, infelizmente sei muito bem, que há coisas mais tristes na vida do que o encerramento de uma livraria. Mas o encerramento de uma livraria é uma coisa triste. Lentamente, vamos ficando reduzidos a espaços onde não cheira a livros, onde não se respira o pó dos livros (é para o Jaime, claro), onde dois ou três exemplares da mais esplendorosa iliteracia nacional circulam por ali como podiam circular pela charcutaria. Eu sei que a vida está difícil. A minha também.
(também aqui)