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Delito de Opinião

Este país não é para livros

Ivone Mendes da Silva, 01.03.12

Faz uns meses, fui à livraria de uma grande superfície sita a dois passos de minha casa para comprar Um mundo iluminado de Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly. Queria oferecê-lo para comemorar efeméride cuja data já passara e daí a pressa. Não tenho o hábito de fazer lá compras, prefiro a pequena e antiga Gil Pais, no centro de Torres Novas, onde digo o título e mo põem nas mãos em segundos. Se não houver, mandam vir e é rápido.

Entrei, pois, na referida livraria e dirigi-me ao local onde vira a obra numa anterior passagem. Pensei que, não estando na prateleira dos destaques, o local indicado seria a estante da temática respectiva. Procurei, procurei e nada. Procurei também uma funcionária. Andavam por lá duas ou três com um ar azafamado que se transformou num ar enfadado quando perguntei pela obra a uma delas:

- Isso é sobre o quê?

Há caras que não enganam. Decidi que seria melhor dizer que não o encontrava na estante onde repousavam os livros de temática congénere.

- Ah! E viu bem?

- Sim, tenho o hábito de ver bem, não quero é estar a desarrumar tudo, há livros por detrás de livros …

Respirou fundo:

- Vou ver.

Viu, remexeu, viu. Nada. Já andava pela zona dos livros de Gestão, quando lhe travei as manobras.

- Desculpe, não têm uma base de dados onde possam verificar as existências?

- Base?

-Sim. Por exemplo: um computadorzinho onde possa escrever o título e obter a informação. Ou há ou não há.

Passou outra empregada:

- Algum problema?

- Esta senhora queria um livro.

- E sabe o título?

Se eu não lhe dei um par de estalos ali mesmo, é porque nunca na vida baterei em alguém.

- Claro que sei.

Deve ter sido qualquer coisa no meu olhar (não faço ideia do quê …) que fez a segunda empregada caminhar em direcção ao computador.

- Como é o título?

Procurou.

- Sabe como é capa? Veja lá se é este?

Sim, eu sabia. Sim, era aquele.

- Há dois!

- Óptimo. Basta-me um.

Não deu sinais de se querer mexer. Chegou a terceira empregada. As pontas dos meus cabelos deviam estar a ficar verdes e as unhas tinham pensamentos nefastos.

- Esta senhora queria este livro.

- Já procuraram?

- Não há nenhum aqui em cima.

- Então deve estar lá em baixo.

Ninguém se mexeu para ir lá abaixo. Perguntei:

- Não estou a perceber uma coisa: há pouco tempo o livro estava ali em destaque. Neste momento há dois exemplares lá em baixo, seja lá isso o que for…

- Sim, ainda não vieram para cima.

- Desculpe, qual é a vossa política de reposição de livros nas estantes?

- Política??

- Pronto, não se incomodem mais. Eu vou comprá-lo a um sítio onde vendam livros.

Saí porta fora perante a mais completa indiferença daquelas duas pessoas. Quinze minutos depois, saí novamente. Desta vez da Gil Pais, com livro, embrulho e lacinho.

Lembrei-me disto há pouco, quando vi na SIC a Livraria Portugal a fechar. Sei, infelizmente sei muito bem, que há coisas mais tristes na vida do que o encerramento de uma livraria. Mas o encerramento de uma livraria é uma coisa triste. Lentamente, vamos ficando reduzidos a espaços onde não cheira a livros, onde não se respira o pó dos livros (é para o Jaime, claro), onde dois ou três exemplares da mais esplendorosa iliteracia nacional circulam por ali como podiam circular pela charcutaria. Eu sei que a vida está difícil. A minha também.

(também aqui)

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