Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

O interior

Patrícia Reis, 25.02.12

António José Seguro está preocupado com a "morte do interior".

Não é uma metáfora, não é poesia.

É uma preocupação política num país onde o interior serve para ser esquecido, apelidado de deserto ou pior, hoje e sempre, um lugar onde deixamos os velhos.

A minha família, do lado materno, é do interior, do Baixo Alentejo, mesmo nas profundezas do mapa, quase perto da fronteira. Entalados numa realidade em que tudo se sabe - da loucura do vizinho aos primeiros passos do bebé da outra ali de cima - a cidade da minha mãe está a morrer há anos e nunca ninguém se ralou. Antes de estar pronta a barragem, alguém escreveu numa parede: constroam-me, porra.  Assim se fez e nada mudou. O progresso? Mais uma rotunda e temos progresso, apenas aí, no asfalto.

Ali, para aqueles lados, a morte está na fome, na escolaridade, no lar de idosos, um lar lotado de gente sem dinheiro para remédios, na escola isenta de sofisticação. São todos comunistas, diria outro alguém que eu conheço. É verdade, ou talvez seja verdade. Pouco importa. O partido é quem paga as festas da cidade? Talvez. Uma coisa é certa, António José Seguro, aliás como todos os políticos, não têm qualquer ideia do que é viver no interior, ter filhos no interior, mandá-los para a escola, vê-los crescer para o desemprego e ainda ver os velhos na rua sem destino, sem saberem como chegaram ali.

Não tenho qualquer vocação para a política, o meu coração está perto da boca, é uma deficiência de criança, sendo que, ainda por cima, saltei o período de aprendizagem da auto-censura (dizem que entre os 7 e os 11 anos de idade). Digo o que penso e não me importo com o que pensam de mim. Tenho pena que os políticos não digam o que pensam.

Tenho pena que a ideia de serviço público tenha desaparecido - sim, já sei, o romantismo em mim... - e que se digam estes clichés que não nos servem para nada. As ideologias já não são o que foram, o PC e o Bloco são partidos historicamente mortos (tal como o interior do país onde nunca se apostou) e o que nos resta são estes senhores de partidos que são... iguais? parecidos? semi vivos? semi mortos? Haja paciência? Não, para quem tem filhos, a paciência não chega, é preciso pagar contas e saber como serão os dias. É preciso esperança e carisma.

Um líder carismático? Alguém tem um no bolso? Um que não seja o Pedro ou o António? Não? Pois eu tenho: acabo de ler um ensaio assinado por Laborinho Lúcio, um homem que começou numa comarca no interior e que está agora em Coimbra. Quando terminei de ler, pensei: eu apostava neste homem. Se a justiça é presidida por homens vulgares que exercem um função invulgar, como escreveu em tempos Lídia Jorge, o mesmo se aplica à política. E não temos homens vulgares, temos políticos de profissão que não se ralam muito se a fome é combatida com uma água de limão quente e um pingo de leite. Isto acontece no interior e no litoral. Independentemente da desertificação do interior. A morte quando chega não é em intermitências. Vivemos em democracia há menos tempo do que vivemos nas garras de um regime. Também o interior morria então. Sabia-se menos, o mundo era mais fechado, a tecnologia não vingara ainda, não nos prendera a esta vertigem de todos os dias: estarmos ligados, ao telemóvel, ao blog, ao email.

No interior, na terra da minha mãe, a morte combate-se com uma palavra: reciprocidade. Cada um ajuda quem pode. Aqui? Aqui é cada um por si, dizem os miúdos.

E a esperança no olhar, a esperança que eu tinha, não se vislumbra. A morte do interior? Certo. Laborinho Lúcio deu-me qualquer coisa mais através do que escreveu. E, portanto, aqui estou eu, como toda a família no Alentejo, a dizer que se não desiste, que amanhã será melhor, que faremos melhor, falharemos menos. Por ser possível. Laborinho deu-me uma botija de oxigénio. Seguro não me dá nada.

16 comentários

Comentar post