Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Cadáver Esquisito (1)

Adolfo Mesquita Nunes, 20.02.12

1

UM LIVRO

 

Foi quando acordou que Cosme sentiu o livro pousado no lado onde nunca ninguém dormia. Os lençóis, de uma cor de terra enxuta de chuva, camuflavam a capa. Mas a presença de um objecto naquele espaço foi quanto bastou para que Cosme desse por ele. Agarrou-o com as duas mãos para ter a certeza do que encontrara. Ali estava, num quarto sem livros, numa casa quase sem livros e na cama de um ex-analfabeto, aquilo que viria a descobrir-se ser a edição inglesa do 'Wise Blood' da Flannery O'Connor.

Que o livro ali fora deixado a meio da noite foi conclusão imediata. Não que a coisa tivesse lógica mas todas as outras explicações, e Cosme calcou-as uma a uma com mãos de artesão, pareciam ainda mais absurdas. Não só aquele livro nunca tinha sido visto naquela casa, e muito menos naquela cama na noite anterior, como ninguém ali tinha estado, que ele tivesse percebido, que não fosse a Vivelinda, analfabeta de verdade.

O livro, que Cosme nem começou por tentar ler, tinha pois aparecido durante a noite. E tinha ficado ali, umas horas ou uns momentos, à espera de ser encontrado. O céu e o inferno em paz, pensou Cosme, quando imaginou o sono partilhado com um livro que não conhecia. E foi assim que tudo começou. Ou, se quisermos ver as coisas pelo outro lado, que o há, foi assim que tudo terminou.

 

(Este é o início do nosso 'cadáver esquisito', explicado aqui. A próxima mão a embalar o cadáver é a da Ana Cláudia Vicente.)

3 comentários

  • não tarda mesmo nada nada. e já que estás numa de tuppence, tens aqui os ingredientes todos para um whodunit :)
  • Imagem de perfil

    Ana Vidal 20.02.2012

    Venha ele, barradinho com lemon curd dá um belo five o'clock tea!
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.