Cães de louça
De onde tomo café vejo, através do vidro, duas mulheres que conversam.
Uma parece dar pequenas gargalhadas, não as ouço, mas aquele abrir de boca repetido e o menear da cabeça, como o de uns cães de louça que havia nas piroseiras antigas, leva-me a deduzi-las. Gesticula um pouco e levanta o queixo com assertividade. É, sem dúvida, uma contentinha. Topam-se à légua: leram livros que as ensinaram a ser felizes, acordam energéticas em casas arrumadíssimas e colam post-its com frases feitas às folhas do dia.
A outra parece vir do fundo da manhã, vestida de frio, com o desespero em volta do pescoço. Está parada, em desalento, e finge ouvir, enquanto o olhar lhe foge para o muro branco do outro lado da rua. Creio que não fala, que não tem palavras com que vença a euforia caudalosa que a atacou e lhe impediu o curso negro dos pensamentos. Tenho pena dela assim agredida. Conseguir um olhar tão infeliz demora anos, só muitas insónias dão aquele tom violáceo às olheiras e é preciso ter engolido muita amargura para resistir à tonicidade das frases que parecem bater-lhe em cheio no rosto que desistiu.