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Delito de Opinião

Cães de louça

Ivone Mendes da Silva, 16.02.12

De onde tomo café vejo, através do vidro, duas mulheres que conversam.

Uma parece dar pequenas gargalhadas, não as ouço, mas aquele abrir de boca repetido e o menear da cabeça, como o de uns cães de louça que havia nas piroseiras antigas, leva-me a deduzi-las. Gesticula um pouco e levanta o queixo com assertividade. É, sem dúvida, uma contentinha. Topam-se à légua: leram livros que as ensinaram a ser felizes, acordam energéticas em casas arrumadíssimas e colam post-its com frases feitas às folhas do dia.

A outra parece vir do fundo da manhã, vestida de frio, com o desespero em volta do pescoço. Está parada, em desalento, e finge ouvir, enquanto o olhar lhe foge para o muro branco do outro lado da rua. Creio que não fala, que não tem palavras com que vença a euforia caudalosa que a atacou e lhe impediu o curso negro dos pensamentos.  Tenho pena dela assim agredida. Conseguir um olhar tão infeliz demora anos, só muitas insónias dão aquele tom violáceo às olheiras e é preciso ter engolido muita amargura para resistir à tonicidade das frases que parecem bater-lhe em cheio no rosto que desistiu.

Parece, repito, parece. Sou fluente na língua da tristeza. Do resto nada sei.

 

(também aqui)

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