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Delito de Opinião

Reflexão do dia

Pedro Correia, 16.02.12

 

«A ortografia é afectiva, polissémica, racional e fugidia, conectiva e disjuntiva (aliterações, ressonâncias, ritmos, cromatismos, etc), indutora de associações com novas palavras e construindo non-sens. Induz um espaço indefinido de criação. Como eu amava "auto-retrato" e me sinto esmagado pelo "autorretrato"! Porque contraria este movimento natural da escrita, o Acordo Ortográfico [AO] é néscio e grosseiro. (...) O Acordo mutila o pensamento. A simplificação das palavras, a redução à pura fonética, o "acto" que se torna "ato", tornam simplesmente a língua num veículo transparente de comunicação. Todo o mistério essencial da escrita que lhe vem da opacidade da ortografia, do seu esoterismo, desaparece agora. O fim das consoantes mudas, as mudanças nos hífenes, a eliminação dos acentos, etc, transformam o português numa língua prática, utilitária, manipulável como um utensílio. Como se expusesse todo o seu sentido à superfície da escrita. O AO afecta não só a forma da língua portuguesa, mas o nosso pensamento: com ele seremos levados, imperceptivelmente, a pensar de outro modo, mesmo se, aparentemente, a semântica permanece intacta. É que, além de ser afectiva, a ortografia marca um espaço virtual de pensamento. Com o AO teremos, desse espaço, limites e contornos mais visíveis que serão muros de uma prisão onde os movimentos possíveis da línuga empobrecerão. Como numa suave lavagem de cérebro.»

José Gil, hoje galardoado com o Prémio Vergílio Ferreira, na Visão

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