Não tenho grande amor à velha ortografia, nem percebo que tantas almas se perturbem por escreverem fato em vez de facto, como se nas décadas em que escreveram de cor indefinida e saber de cor tivessem confundido o cinzento com a tabuada.

 

As intervenções públicas sobre o Acordo não me estimularam.  Tudo me parecia um Prós e Contras entre conservadores ultramontanos, mulheres de xaile e bigodaça de crucifixo à ilharga, por um lado, e uns vanguardistas muito neófitos que desprezavam os efeitos perversos das alterações que estas merdas sempre provocam.  No fundo a coisa resumiu-se a ser contra ou a favor do 25 de Abril, ou seja, ao grau zero da competência retórica.

 

Entretanto, os atrasadinhos das caixas de comentários fizeram deste tema uma cruzada pessoal. Não se pode escrever uma rima sobre a Primavera sem que salte logo um palerma a invectivar a primavera.

 

O Acordo Ortográfico é agora designado por Aborto Ortográfico. E isto angustia-me, por temer que os mesmos que desejam o incumprimento do Acordo procurem também repor a penalização da IVG. Num país varrido pela demagogia mais trambiqueira podemos esperar tudo e o seu contrário.

 

Sobram, finalmente, os argumentos em economês dos que imaginam ser possível confundir os naturais de Portugal e do Brasil em frases tão torneadas como a meleca da bebeca era superlegal. Um minuto disto e arrumam-se os motivos de quem defende o comércio internacional.

 

Haverá pessoas razoáveis assomando entre a balbúrdia? Haverá sim, galera. Ide ler a Ana Cristina Leonardo, que ontem descobriu uma delas.