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Delito de Opinião

O sal nas minhas mãos

Rui Rocha, 08.02.12

 

Esfregou os olhos e leu em voz alta: “quem sou eu”. O recorte esbatido da luz projectada pelo monitor engoliu o tremor que lhe percorreu as  pernas. Largou o rato e apoiou os cotovelos na mesa de trabalho. A cabeça desfaleceu-lhe em direcção às mãos. De olhos fechados, regressou à pequena e escura arrecadação da casa dos avós maternos onde tinha passado as férias de Verão dos cinco anos. Aquele tinha sido o seu refúgio sempre que os primos, mais velhos, ameaçavam dobrar-lhe as orelhas para depois as coserem com as agulhas e linhas do avô alfaiate. Imóvel na escuridão, passava os dedos pelos olhos. Depois, lambia-os para ter a certeza de que estava a chorar. Sim,  o que escorria pela sua face não era apenas o suor provocado pelo pânico e pela correria da fuga. Associar o choro à dor ou ao sofrimento reconfortava-o. As lágrimas permitiam-lhe confrontar o mundo com a injustiça da sua circunstância, mesmo que, naquele momento, esse mundo não fosse mais do que um apertado e negro esconderijo a tresandar a naftalina. Lambeu as mãos demoradamente. Húmidas e salgadas. Tal como quando era criança, a certeza do choro acalmou-o.

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