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Delito de Opinião

Estrelas de cinema (11)

Pedro Correia, 07.02.12

 

QUANDO A VINGANÇA DÁ LUGAR AO PERDÃO

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Passamos demasiado tempo imersos na cultura da vingança, do olho-por-olho, do salve-se quem puder, para atentarmos na virtude do perdão. A própria palavra - perdão - tem hoje ressonâncias obsoletas, como algo irremediavelmente ultrapassado. E o cinema contemporâneo, espelho fiel da mentalidade dominante, traz-nos quase invariavelmene histórias de vingança. De cá-se-fazem-cá-se-pagam.

Pensei nisto enquanto via Os Descendentes, de Alexander Payne, surpreendente candidato a melhor filme de 2011 por designação da Academia de Hollywood. E surpreendente precisamente por se revelar contra a cultura dominante: é um filme terno, que sugere e não impõe, que prefere o sussurro ao grito e nos fala em linhas e entrelinhas da importância dos laços humanos num mundo que se vai desumanizando a olhos vistos.

Este era já um traço que percorria filmes anteriores de Payne, como Confissões de Schmidt e Sideways: o da revalorização dos pequenos gestos do quotidiano, indispensáveis para a construção de uma sociedade mais amena, mais amável, mais tolerante e tolerável.

Não desvendo a trama nem necessito disso para acentuar a notável capacidade de ludíbrio do realizador, que a todo o instante parece encaminhar o filme para um clássico enredo em torno de um ajuste de contas e afinal opta pelo rumo menos previsível, à margem das convenções de género - ao ponto de nunca sabermos bem se estamos perante um drama ou uma comédia. A indefinição, neste caso, contribui para o inesperado fascínio deste filme sem personagens exemplares nem pirotecnia tecnológica que confirma Alexander Payne como excelente director de actores, militante de um cinema onde o indivíduo se sobrepõe às organizações colectivas e o ser humano se sobrepõe à máquina.

É talvez desconcertante para alguns que tudo isto se passe no luxuriante Havai com os seus cenários de bilhete postal. Mas como o próprio narrador (George Clooney, numa admirável interpretação que lhe valeu também uma designação para o Óscar) nos adverte logo de início, ao apresentar-nos a mulher há 23 dias em coma, também neste cenário de paraíso ocorrem tragédias, o que nos deve servir de especial aviso.

Nós, cinéfilos, até já sabíamos, embora talvez andássemos esquecidos: é o Havai que surge como cenário desse magnífico filme de amor e guerra chamado Até à Eternidade (Fred Zinnemann, 1953). E nenhum paraíso está imune à semente do mal. Pearl Harbor aconteceu precisamente ali.

 

Os Descendentes (The Descendants, 2011). De Alexander Payne. Com George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Patricia Hastie, Beau Bridges, Judy Greer, Matthew Lillard.

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