A liberdade de escrita.
Neste país onde tanta gente abdica das suas convicções, apenas por razões de interesse ou porque o respeitinho é muito bonito, louva-se esta atitude de Vasco Graça Moura. Quando se nomeia alguém com o seu prestígio para um cargo público espera-se que continue a defender aquilo em que acredita e não que se limite a acatar directivas exteriores, por mais disparatadas que elas sejam. O acordo ortográfico é o disparate do século e o facto de estar a ser imposto aos portugueses desta forma demonstra bem a falta de espinha que nos caracteriza como povo. Fico perplexo quando leio no Diário da República palavras como "adoção" que me lembra mais "adoçante" do que "adoptante". Querer abolir consoantes mudas, em certos casos quando nem os brasileiros as suprimiram, implica tornar a ortografia do português europeu mais brasileira do que o próprio Brasil. E já se percebeu que em África ninguém vai seguir esta medida, caindo Portugal no puro ridículo de ficar como uma ortografia que ninguém compreende e mais nenhum país lusófono adopta.
Infelizmente, no entanto, há Torquemadas que querem impor o acordo à força, mesmo que ninguém o deseje. Por isso, como as "réguadas" nas mãos de antigamente já não estão na moda, agora existem as ferramentas informáticas que conseguem o prodígio de nos obrigarem a escrever da maneira que não queremos. Vasco Graça Moura tomou a atitude correcta de mandar desligar essas ferramentas informáticas que violam a liberdade de escrita dos seus colaboradores. Mas aparecem logo pessoas com uma enorme concepção da liberdade como António José Seguro a dizer que Vasco Graça Moura não está acima da lei. Claro que não. A lei portuguesa obriga os funcionários do CCB a escrever segundo o acordo e ainda os obriga a ter nos seus computadores ferramentas informáticas para não os deixar escrever de outra maneira. Já agora: não quererá António José Seguro mandar aplicar também essas ferramentas informáticas na Casa dos Bicos para garantir que os textos de Saramago passam a ter a pontuação tradicional em vez das vírgulas que tão abundamente utilizava? Afinal de contas, a lei tem que ser igual para todos. E não aplicar o acordo ortográfico é seguramente um crime de lesa-majestade.