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Delito de Opinião

The Colour of Magic

João Campos, 03.02.12

No início deste ano, defini como resolução para 2012 ler a série Discworld, de Terry Pratchett. Não necessariamente toda, claro – de 1983 até ao presente, Pratchett escreveu um total de 39 livros desta série não-linear e incrivelmente popular*. E apesar do débil estado de saúde do autor – a quem foi diagnosticada Alzheimer – parece que ainda está a tentar concluir e publicar pelo menos mais uma aventura de Discworld.

 

Discworld não obriga a uma leitura dos livros por ordem cronológica. Ao longo dos 39 volumes, Pratchett desenvolveu um sem-número de personagens e múltiplas narrativas que têm lugar naquele mundo plano e circular, assente sobre quatro elefantes gigantescos que vagueiam pelo Universo em cima da carapaça da Great A'Tuin, a tartaruga cósmica. A série inclui histórias de feiticeiros, de bruxas, da polícia da cidade de Ankh-Morpork, do detective Sam Vimes, da mais relevante academia de ensino de feitiçaria de Discworld, a “Unseen University”, entre outros. A minha opção para cumprir este desafio, porém, foi ler a série por ordem cronológica, para melhor acompanhar a evolução do autor e de todo aquele mundo fantástico.

 

Em The Colour of Magic, o primeiro livro da série, a narrativa acompanha três personagens peculiares: Rincewind, um feiticeiro inapto (sabe apenas um único feitiço, por acaso é um dos oito Grandes Feitiços, que se alojou na mente do aprendiz de feiticeiro e desde então tem afugentado – literalmente – qualquer possibilidade de este aprender qualquer outro truque, por mais elementar que seja) com especial aptidão para idiomas e para se meter nos mais loucos sarilhos imagináveis; Twoflower, o primeiro turista de Discworld, que deixou a sua nação remota e o seu aborrecido trabalho de contabilista de seguros para conhecer o mundo a partir da cidade de Ankh-Morpork; e a bagagem de Twoflower. Sim, a bagagem the Twoflower – conhecida apenas por “Luggage” – é também ela uma personagem, consistindo num baú ligeiramente maior que o tamanho médio dos baús, feito de pearwood (uma madeira raríssima e resistente a magia), que se move com dezenas de pequenas e ágeis pernas e segue o seu dono para toda a parte (mesmo para toda a parte). Twoflower quer conhecer o mundo e ver as maravilhas de Discworld, e contrata Rincewind a peso de ouro para ser o seu guia, tarefa que o feiticeiro cumpre num estilo muito peculiar (e sempre divertido). Pelo caminho encontram ladrões, assassinos, heróis, bárbaros, dragões imaginários, dríades, demónios antigos, a Morte, deuses, trolls normais, trolls marinhos, e uma sociedade que quer enviar uma espécie de nave espacial para lá dos limites do mundo (o "Rimfall") para descobrir a resposta a uma das questões que tem intrigado gerações de filósofos e feiticeiros: qual é o sexo de Great A'Tuin?

 

Dono de um sentido de humor extraordinário, na boa tradição do non-sense britânico, Pratchett usa estas personagens e as loucas situações em que se envolvem para parodiar os clichés dos géneros do fantástico. A forma como descreve feiticeiros, bárbaros, heróis, bandidos e donzelas em perigo é hilariante, pegando nos nos estereótipos tradicionais e invertendo-os, apenas para os devolver à narrativa e deixá-la seguir o seu atribulado curso. As descrições são um regalo, e é muito difícil não rir mesmo quando o autor descreve as mais triviais situações e os mais vulgares cenários. Se bem que, com franqueza, se há coisa que as situações e os cenários em Discoworld não são é justamente triviais ou vulgares.

 

Se em circunstâncias normais a série Discworld seria sempre merecedora de leitura – pela imaginação, pela qualidade da escrita e pela sátira –, numa época como esta ainda é mais recomendável. O humor, afinal, ainda está livre de impostos; e ainda que o riso não resolva todos os problemas, sempre ajuda a descontrair. Em Discworld, começando com The Colour of Magic, Pratchett dá aos leitores um stock interminável de gargalhadas.

 

*Em 2003, a BBC realizou uma sondagem ao longo de um ano para apurar qual o livro mais querido dos leitores ingleses. Sem surpresas, a obra vencedora foi The Lord of the Rings, de Tolkien; entre as 100 obras preferidas do público inglês, contam-se cinco de Terry Pratchett (Mort, Good Omens – esta escrita com Neil Gaiman –, Guards! Guards!, Night Watch e The Colour of Magic). Se considerarmos a lista dos 200 livros preferidos dos ingleses, Pratchett figura 15 vezes. Nada mau.

 

(Também aqui, onde doravante me dedicarei unicamente ao Fantástico com regularidade incerta)