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Delito de Opinião

O homem duplicado

Pedro Correia, 30.01.12

 

Há oito anos, escrevi no Diário de Notícias que Arménio Carlos seria o sucessor de Manuel Carvalho da Silva na CGTP. Lembro-me de que na altura não foi fácil encontrar fotografia do obscuro coordenador da União dos Sindicatos de Lisboa, então totalmente desconhecido da opinião pública. Sabia-se, isso sim, que a cúpula comunista estava irritada com as contínuas fugas à ortodoxia de Carvalho da Silva e pretendia substituí-lo por um homem aparentemente mais duro mas afinal muito mais dócil no cumprimento das directivas partidárias. Por um motivo fácil de explicar: a CGTP é o mais poderoso instrumento de acção estratégica do Partido Comunista, que após ter perdido os seus bastiões operários e autárquicos recuou com a tenacidade de sempre -- um passo atrás, dois passos à frente, recomendava Lenine -- para o seu derradeiro reduto, o do sindicalismo nas áreas da administração pública e das empresas públicas, designadamente na área dos transportes. Quanto mais Estado, tanto mais a CGTP se robustece. E quem diz CGTP diz PCP. Não faz qualquer sentido a actual correlação de forças -- firmada durante os anos do "processo revolucionário" -- na cúpula da central sindical onde os comunistas estão em larga maioria, remetendo independentes, socialistas, católicos e bloquistas para posições minoritárias. Algo sem paralelo na sociedade portuguesa.

Essa foi talvez a cacha mais fácil da minha carreira jornalística, à semelhança de outra -- que escrevi com meses de antecedência -- em que garantia, também no DN, que Jerónimo de Sousa seria o sucessor de Carlos Carvalhas como secretário-geral dos comunistas. Porque não há nada mais previsível do que o ritmo "lento" e "vertical" -- sem qualquer traço revolucionário -- em que ocorre o processo de tomada de decisão no PCP. E se a ascensão de Arménio Carlos acabou por ficar quase uma década no congelador isso deveu-se apenas à fortíssima popularidade de Carvalho da Silva na sociedade portuguesa, alcançada não por causa da sua ligação enquanto militante de base aos comunistas mas apesar dela.

 

Virada a página, reforça-se a ligação orgânica da central ao partido com a promoção a dirigente máximo de um membro (desde 1988) do Comité Central do PCP, vinculado às rígidas normas de disciplina interna impostas pelo "centralismo democrático". Esta subordinação -- que Carvalho da Silva nunca aceitou na integridade -- torna agora mais nítido o controlo comunista da CGTP, onde o direito de tendência é rigorosamente interdito e as "minorias" (largamente maioritárias na sociedade) servem apenas para conferir um vago verniz pluralista a uma organização que o PCP passa a tutelar de forma ainda mais inflexível.

Era isto que eu gostaria de ter visto dissecado e debatido nos dias que precederam a entronização de Arménio Carlos, o homem que se prepara para duplicar sem deslizes o discurso sindical de Jerónimo de Sousa em todos os telejornais, tal como o PEV duplica a retórica comunista na frente parlamentar. Mas isso seria talvez exigir demasiado de um certo jornalismo e de uma certa "opinião" que se esgotam na poeira do instantâneo sem repararem no essencial.

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6 comentários

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    Luís Lavoura 31.01.2012

    Eu sou membro de um sindicato (que não integra nem a CGTP nem a UGT) e regularmente voto (em voto secreto) para a direção dele. O sindicato é efetivamente dirigido pelos seus associados, no sentido em que estes é quem escolhe a direção. Penso que nos sindicatos membros da CGTP se passa a mesma coisa.
    Aliás, se os trabalhadores não estiverem satisfeitos com o seu sindicato e com a respetiva direção, podem desvimcular-se desse sindicato (e eventualmente filiarem-se num outro). A genralidade dos trabalhadores não aufere de qualquer vantagem por ser membro de um qualquer sindicato (ao contrário do que acontece, por exemplo, nos EUA).
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    Pedro Correia 31.01.2012

    É portanto mera coincidência que o líder da CGTP seja sempre membro do PCP e que este partido tenha transformado a central sindical numa correia de transmissão. Não há sequer o menor indício disso. O facto de o novo líder ser há 24 anos membro do Comité Central comunista também não merece qualquer relevância especial. Resulta certamente do mero acaso.
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    Luís Lavoura 31.01.2012

    Eu não digo que seja mera coincidência. Digo que há aqui algum fenómeno que necessita de ser explicado.
    Eu, por exemplo, recebo regularmente notícias do sindicato a que pertenço, e da sua atuação. Se eu estiver descontente com essa atuação, posso dessindicalizar-me. E ninguém me obriga a aderir às greves, etc.
    Eu não sei como, ou se, o PCP controla os sindicatos. Mas presumo que, se esses sindicatos não agissem de acordo com os interesses percebidos pelos traalhadores, estes últimos dessindicalizar-se-iam.
    O problema está por explicar. Cabe ao Pedro, que afirma que o PCP manipula os sindicatos, explicar-nos exatamente como é que ele o faz, e porque é que os trabalhadores, perante tais manipulações, não abandonam esses sindicatos manipulados.
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    Pedro Correia 31.01.2012

    Vou tentar pôr a questão de outra maneira. Imagine você os rios de tinta e o coro de polémica que haveria por aí, com acusações de grosseira manipulação política do movimento sindical, se o novo líder da central fosse há 24 anos membro do Conselho Nacional do PSD ou da Comissão Nacional do PS. Só o PCP parece escapar a este crivo crítico.
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    Anónimo Desconhecido 01.02.2012

    Ou o que seria escrito se o João Proença fosse membro do PS.....
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