Comissão de Serviço - XVIII
"MEU AMOR"
Um dia fui ao SPM – o Serviço Postal Militar.
Estava na guerra há meses e há semanas que L. não me escrevia.
(Escrevo estas linhas e rebobino os anos. Volto a ter 20. Entro, suado, nos correios militares de Nampula e pergunto por cartas para mim.)
1974. Está um calor de derreter as solas. Estou numa fila de magalas ansiosos. Dizem o nome e recebem o que chegou – ou não recebem nada e voltam a sair. Uns sorriem, outros encolhem os ombros.
Digo o meu nome. L. voltou a faltar.
“Meu amor, meu amor, minha parte de mim.” Tenho-lhe escrito com tinta das veias. Esgoto os aerogramas. Impossível que não me pressinta! Mas também sorrio e saio. À noite volto a escrever-lhe.
(Os aerogramas eram folhas amarelas com asas, gratuitas.)
2012. Escrevi-lhe sempre. Esgotava-me a lembrá-la – linda! – e a contar-lhe os meus dias, e de como os meus olhos não pousavam em mais mulher nenhuma.
Um dia deram-me uma carta. Logo pela letra, era dela! Começava por um olá e pelo meu nome, e contava de como as ruas, aqui, estavam cheias e de como era urgente travar a reacção. E acabava com um beijo – só um.
Foi a última. Mas continuei a ir sempre que pude ao SPM. Não tinha mais aonde ir. Excepto para a guerra, que, vista daqui, passara de uma tragédia a um pormenor.
(Notinhas de uma guerra engolida)