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Delito de Opinião

A forma à frente do fundo

Pedro Correia, 12.01.12

 

Alguns políticos mostram-se mais fiéis à forma do que ao fundo, mais preocupados com o nome da coisa do que com a coisa em si. Um desses políticos, ainda há poucos anos levado em ombros por uma certa opinião bem pensante portuguesa, sempre deslumbrada com o que descobre além-fronteiras, era José Luis Rodríguez Zapatero. O chefe do Governo espanhol que se ufanava de ultrapassar todos os antecessores em credenciais de esquerda, era o campeão do progresso. Nas palavras.

"Não existem desempregados, existem pessoas que estão no desemprego", afirmou Zapatero em Fevereiro de 2008. Valeu-lhe de pouco a aula de correcção política que ministrou aos compatriotas. Ao abandonar o poder, há poucos dias, deixou ao sucessor -- o conservador Mariano Rajoy, vencedor incontestado das legislativas de 20 de Novembro -- um legado nada invejável: cinco milhões de desempregados (perdão, de pessoas sem emprego), o que corresponde a 21,5% da população activa e é a maior cifra do género desde que há registos oficiais em Espanha. Há hoje cerca de milhão e meio de lares espanhóis em que marido e mulher estão simultaneamente desempregados. E 48% dos menores de 30 anos não consegue encontrar trabalho por lá nos dias que vão correndo.

Para o socialista que durante sete anos e meio ocupou o Palácio da Moncloa, entre Março de 2004 e Dezembro de 2011, o optimismo antropológico era quase uma raison d' État. Ele mesmo proclamara, noutra tirada cheia de floreado "progressista", em Julho de 2008: "Ser optimista é mais do que um acto de racionalidade -- é uma exigência moral, um rasgo de decência e até de elegância." Esta obrigação de se intitular optimista, para continuar a garantir os aplausos da corte do progresso, levou-o a jurar em Fevereiro de 2010: "Comigo como presidente [do Governo espanhol] jamais haverá cortes sociais neste país."

O "jamais" de Zapatero era um vocábulo de geometria variável: três meses depois desta última proclamação, anunciou a primeira redução salarial dos funcionários públicos e o primeiro congelamento de pensões alguma vez registado em Espanha.

A forma à frente do fundo.

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