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Delito de Opinião

A força do exemplo

Jorge Assunção, 09.04.09

 

O Pedro Correia escreveu recentemente dois posts que me puseram a reflectir (este e este). Não por acaso, o primeiro comentário em cada um deles foi meu. E não por acaso porque os temas em causa despertam o meu interesse. Um deles, onde era focado o juiz Roland Freisler, recordou-me o caso de Sophie Scholl, o outro tanto despertou o meu interesse pelo filme A Onda, entretanto já visto, como fez-me dar conta que alguns dos melhores filmes que visionei nos últimos tempos são alemães. Esta pujança do cinema alemão que nos últimos sete anos tem duas* vitórias no óscar de melhor filme estrangeiro e outras três nomeações, não é coincidência. O século XX alemão é um período no tempo carregado de agruras suportadas pelo povo - um século que abrange duas guerras mundiais que resultaram em derrota; um período de grande depressão e surto inflacionista; um regime fascista e, para os infelizes do leste, um regime comunista - dificil seria que isto não deixasse traumas na memória colectiva dum povo. Traumas que ainda hoje têm repercussão na sociedade alemã, desde o rigor que exigem na execução da política monetária por parte do Banco Central Europeu, até às restrições apertadas sobre toda e qualquer exibição de símbolos do tempo do senhor austríaco com bigode. E são estes alemães, atormendados pelo seu passado, que agora como que recorrem ao cinema para expurgar os seus demónios.

 

Lugar nenhum na África (2001); Adeus Lénine! (2003); A Queda: Hitler e o Fim do Terceiro Reich (2004); Sophie Scholl: Os Últimos Dias (2005); A Vida dos Outros (2006); O Complexo de Baader Meinhof (2008); A Onda (2008). Estes são alguns dos excelentes filmes que o cinema alemão nos presenciou durante este século e todos eles, de uma forma ou de outra, fazem referência às duas ideologias totalitárias que marcaram o século XX de forma negra. Longe vai o tempo em que as grandes encenações sobre o tema tinham produção exclusiva em Hollywood. Mas se Hollywood perdeu o predominio do tema foi porque os alemães decidiram, finalmente, transpô-lo para o grande ecrã e como que com isso reconhecer que era chegada a altura de assumir os erros do passado e encarar o futuro de forma descomprometida (esse objectivo fica por demais evidente no filme A Queda, através da figura da secretária pessoal de Hitler). Dados os fantasmas que habitam na história portuguesa do século XX, o que não falta é material aos realizadores portugueses para seguirem o caminho trilhado pelos colegas de profissão alemães, suspeito que o que falta, entre outras coisas, é qualidade e dinheiro, mas isso é tema para outro post.

 

 

Mas, voltando ao inicio do post, comecei por mencionar Sophie Scholl e é com ela que pretendo terminar. Foi a 18 de Fevereiro de 1943, com vinte e um anos, que Scholl foi presa pelo regime nazi por distribuir panfletos pacifistas em nome do movimento Rosa Branca, contra Hitler e a guerra sanguinária que este levava a cabo. Em 21 de Fevereiro, em conjunto com o seu irmão e um amigo pertencente ao movimento, compareceu perante o Tribunal Popular para ser julgada pelo juiz Roland Freisler, perante o qual Scholl justificou os seus actos, "Alguém, afinal, tinha de começar. São muitos os que acreditam no que escrevemos e dissemos. Apenas não se atrevem a exprimi-lo tal como o fizemos". Mas Freisler, com a cobardia habitual das pessoas pequenas que aparentam força, uma força que não é delas, mas tão só dos regimes opressivos que as sustentam, condenou-a à pena capital. Em tempo recorde, no dia 22 de Fevereiro de 1943, Scholl perdia a cabeça numa guilhotina. Morreu em consequência do que acreditava, nas palavras da própria: "Sou, agora como antes, da opinião que fiz o melhor que podia em prol da minha nação. Por isso, não me arrependo da minha conduta e irei suportar as consequências que advenham da mesma".

A sua condenação à morte servia, na ideia dos que a julgaram, como exemplo para todos os outros que ousassem criticar o regime. Nada mais errado. A sua condenação apressada serviu apenas para dar mais força a um exemplo, sim, mas não propriamente ao exemplo que o regime esperava. O exemplo de Sophie Scholl é que saiu reforçado, ao ponto de ainda hoje inspirar muita e boa gente - a outros, é certo, mais do que fonte de inspiração devia servir como fonte de aprendizagem, tal é a pequenez que por este mundo grassa. Recorrendo às palavras de Jud Newborn, "Não é possível medir o efeito deste tipo de resistência com base no número de pontes que foram destruidas ou na queda do regime... O movimento da Rosa Branca é de um valor mais simbólico, mas este é um valor muito importante.". Um valor que importa preservar, acrescento eu.

 

* não contando com o filme Os Falsificadores (2007), que venceu o óscar de melhor filme em representação da Áustria, mas na prática era uma co-produção austríaca e alemã.

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